REINALDO JOSÉ LOPES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Uma controvertida espécie de hominídeo (membro do grupo de primatas que
desemboca no homem moderno) acaba de ganhar um "check-up" completo, dos
pés à cabeça.
Segundo os cientistas responsáveis pelo trabalho, trata-se da análise
mais detalhada já feita de um membro extinto da linhagem humana, e os
dados podem fortalecer a ideia de que a criatura era mesmo ancestral do
nosso gênero, o Homo.
Esse ponto ainda promete provocar muita polêmica entre os estudiosos da
evolução humana, mas a riqueza de dados na nova "ficha médica" da
criatura, o Australopithecus sediba, é inegável.
Os resultados mais importantes vêm da passagem do australopiteco pelo
"ortopedista" e pelo "dentista", digamos, que ajuda a reconstruir o
esquisitíssimo andar do primata de 2 milhões de anos e traz mais pistas
sobre sua posição na árvore genealógica do homem.
Os achados estão numa série de seis artigos científicos, publicados em
formato eletrônico pela revista americana "Science" e coordenados pelo
paleoantropólogo Lee Berger, da Universidade do Witwatersrand, na África
do Sul.
Berger foi o responsável por identificar os primeiros fósseis do A. sediba na região de Malapa, perto de Johannesburgo, quando prospectava a área acompanhado de seu cão e seu filho pequeno, Matthew.
Na nova batelada de artigos, ele e uma equipe internacional de
colaboradores examinam em detalhe os restos mortais de três indivíduos
da espécie (veja abaixo).
Editoria de Arte/Folhapress | ||
PÉ CHATO
Uma das principais conclusões do estudo é que o A. sediba tem uma anatomia que é um curioso mosaico de características típicas dos grandes macacos e do gênero Homo.
E nada mostra melhor isso do que o estudo das pernas e dos pés do
bicho, conduzida por Jeremy DeSilva, da Universidade de Boston (EUA).
DeSilva, que herdou seu sobrenome de um trisavô do arquipélago português
dos Açores, diz que, do ponto de vista dos humanos modernos, é como se a
criatura tivesse pé chato.
"Se você o visse de longe, seria como uma pessoa andando, porque a perna
e os quadris estariam totalmente estendidos, e não curvados, como os de
um chimpanzé", explicou ele à Folha.
Quem chegasse mais perto, no entanto, veria que seus passos eram
miudinhos e rápidos, em parte por causa do osso do calcanhar
extremamente pequeno. Além disso, o pé chato levaria a uma reação em
cadeia que torceria os joelhos e o quadril para dentro conforme o
primata caminhasse.
"Ao observar isso, você provavelmente notaria quanta rotação e torção
estavam acontecendo nas juntas dos pés, do joelho e dos quadris", diz
DeSilva. Coisas parecidas acontecem com algumas pessoas que sofrem de
problemas ortopédicos. Mas, no caso do A. sediba, esse andar esquisito é apenas a solução biomecânica que a espécie adotou para manter-se em duas pernas, afirma ele.
Coisas igualmente curiosas aparecem quando se olha a anatomia dos braços
e do tronco do animal. No primeiro caso, ele provavelmente conseguia
ficar suspenso nos galhos de árvores com facilidade parecida com a de um
chimpanzé, embora suas mãos parecessem mais humanas. E seu tórax, com
ombros aparentemente encolhidos, devia impedir que ele caminhasse
balançando os braços ao lado do corpo, como fazemos hoje.
O quadro é completado pela análise das mandíbulas e dos dentes da
criatura. Com base nesses indícios, a equipe propõe que ele tinha
parentesco relativamente próximo com uma espécie sul-africana mais
antiga, o Australopithecus africanus, por um lado, e com os primeiros Homo, por outro.
É nesse ponto que a coisa entorta um pouco, porém. Muitos paleoantropólogos defendem que os primeiros membros do gênero Homo são pelo menos meio milhão de anos mais antigos que o A. sediba --é o caso do célebre Homo habilis.
"O A. sediba é único e muito interessante, mas chegou tarde
demais à festa", disse à "Science" o paleoantropólogo Brian Richmond, da
Universidade George Washington (EUA). Com a publicação dos novos dados,
espera-se que mais cientistas levem a espécie em consideração em seus
modelos sobre a origem do gênero humano.
FONTE: Folha.com/Ciência
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