EDIÇÃO 154/JANEIRO DE 2013
05/02/2013
Há nove anos, dois homens lançaram-se em uma aventura sem precedentes: encontrar e documentar todas as 39 espécies lendárias conhecidas como aves-do-paraíso. Após 18 expedições a regiões remotas e quase 40 mil fotos, eles afinal concluíram o projeto.
O sol nascente ilumina o cortejo de uma Paradisaea apoda na ilha Wokam, ao sul da Nova Guiné. Os machos removem as filhas dos galhos no topo a fim de abrir espaço para os rituais de acasalamento
Na Nova Guiné, cangurus sobem em árvores e borboletas do tamanho de pratos voam por florestas tropicais em cujo solo lamacento se arrastam mamíferos ovíparos. Quer mais? As rãs têm focinho comprido, e os rios são repletos de peixes-arco-íris.
Todavia, nenhuma das extraordinárias maravilhas naturais da Nova Guiné exerceu tanto fascínio nos cientistas quanto as criaturas que, no século 19, foram consideradas pelo célebre naturalista Alfred Russel Wallace como “os mais extraordinários e belos habitantes emplumados do planeta”: as aves-do-paraíso.
Existem 39 espécies desse pássaro, e todas elas são encontradas apenas na Nova Guiné e em algumas áreas próximas. Apesar de décadas de exploração e pesquisa, até agora ninguém havia conseguido ver todas as espécies.
Por isso, em 2003, o ornitólogo Edwin Scholes, da Universidade Cornell, e o fotógrafo Tim Laman decidiram organizar um projeto para documentar todas elas. Para concretizar a ideia, foram necessários oito anos e 18 expedições a algumas das regiões mais exóticas do planeta até que, por meio de fotos, vídeos e gravações das vocalizações – para não falar em tradicionais canetas e blocos de anotações –, Scholes e Laman conseguissem registrar exibições e comportamentos de corte dos quais os cientistas mal faziam ideia.
O mundo natural oferece poucos espetáculos tão bizarros quanto os rituais de acasalamento dos machos da família Paradisaeidae. Explosões de plumas douradas, cômicas danças estilizadas, eixos de penas táteis que parecem antenas, pregas e plumagens, gorjais e leques iridescentes, em cores mais reluzentes que as de qualquer joia – toda essa extravagância de formas e comportamentos tem um único objetivo: o de atrair a atenção do maior número possível de fêmeas.
As aves-do-paraíso constituem um exemplo rematado da teoria da seleção sexual proposta por Charles Darwin. As fêmeas escolhem os machos com base em certas características atraentes, aumentando assim a probabilidade de esses traços serem transmitidos de uma geração a outra. Na Nova Guiné, a abundância de alimentos e a escassez de predadores permitiram que esses pássaros proliferassem à vontade – e também exagerassem suas características mais chamativas, a tal ponto que surpreendem até mesmo os cientistas menos dados à poesia.
Durante milênios, na Ásia, as reluzentes plumas dessas aves foram valorizadas como ornamentos. Os caçadores que, no século 16, negociaram os primeiros espécimes com os europeus, muitas vezes removiam as asas e as pernas dos pássaros de modo a ressaltar ao máximo sua plumagem exótica. Isso inspirou a ideia de que eram, literalmente, aves divinas, pairando nos céus sem jamais tocar a terra e extraindo seus alimentos das névoas paradisíacas.
No século 21, Laman e Scholes propuseramse documentar esses animais de uma maneira jamais vista pelas pessoas: da perspectiva das fêmeas. Na ilha Batanta, a oeste da Nova Guiné, Laman subiu a 50 metros de altura, até a cobertura da mata tropical, a fim de fotografar o ritual de acasalamento daParadisaea rubra. E 2 mil quilômetros a leste dali, na península Huon, montou uma câmera de controle remoto e apontou-a para um galho mais baixo, registrando pela primeira vez a visão que a fêmea tem do peito colorido e das penas em forma de tutu de bailarina do macho da espécie Parotia wahnesi.
Embora ambos os exploradores tivessem acumulado larga experiência em viagens anteriores por regiões tropicais, nenhum deles foi capaz de prever as aventuras que tiveram de enfrentar, como os assustadores voos de helicóptero por cenários selvagens e as longas caminhadas por trilhas inundadas, para não falar das duas ocasiões em que ficaram à deriva no mar devido a panes nos motores de seus barcos. Para conseguir registrar cenas inéditas – como a primeira imagem de uma Astrapia nigra fazendo a corte de cabeça para baixo –, os dois tiveram de passar mais de 2 mil horas matando o tempo em esconderijos, esperando e observando com toda a paciência a floresta.
O encontro e a visão de uma Manucodia jobiensis assinalaram, em junho de 2011, o fim da exaustiva busca pelas 39 espécies. A grande esperança de Scholes e Laman é que esse esforço inédito de documentação sirva de estímulo a projetos de conservação na Nova Guiné, onde o hábitat das aves-do-paraíso somente permaneceu resguardado devido a sua localização em áreas remotas. Como observou o naturalista Wallace, “a natureza parece ter tomado todas as precauções para que esses tesouros, os mais seletos que guarda, não percam seu valor pelo fato de serem acessíveis com facilidade”.
GALERIA DE FOTOS:
Músculos especiais possibilitam ao Pteridophora alberti girar as penas na cabeça, similares a antenas, por 180 graus durante o cortejo. Fileiras de flâmulas minúsculas ornamentam as penas de até 50 centímetros
Uma Seleucidis melanoleucus entoa seu canto na Nova Guiné
Laman e o Scholes encontraram o Cicinnurus respublica na ilha indonésia de Waigeo
Um exuberante macho da espécie Ptiloris paradiseus recorre, segundo Scholes, a uma técnica de “transmutação” para impressionar uma parceira em potencial
Uma ave-do-paraíso macho exibe tudo que tem a oferecer em um desfile. Conhecidos pelos seis raques rígidos que têm na cabeça e o “saiote de bailarina” formado por penas rígidas, os machos desta espécie exibem as penas iridescentes do peito em sua demonstração para as fêmeas. Cada macho limpa um trecho de alguns metros de diâmetro no piso da floresta para criar um palco em que apresenta uma dança bizarra: dá pulinhos, salta para o lado, faz mesuras e acena com a cabeça
Foto: Tim Laman
FONTE: Revista National Geographic Brasil
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