A viagem da evolução
Estudo indica que nossos ancestrais navegavam em barcos e teriam feito uma escala em Creta, na Grécia, na viagem entre a África e a Europa
André Julião
FERRAMENTA
Um machado primitivo foi localizado em território grego
"Navegar é preciso, viver não é preciso”.
Mesmo contundente, a frase cunhada pelo general romano Pompeu e
imortalizada pelo poeta português Fernando Pessoa pode não dar a
dimensão exata de quanto a navegação foi importante para o homem. Um
novo estudo sugere que ancestrais do Homo sapiens usaram embarcações
para cruzar o Mar Mediterrâneo. Eles teriam chegado à ilha de Creta, na
Grécia, há pelo menos 130 mil anos. O que se sabia até hoje é que os
primeiros Homos erectus teriam migrado por terra da África para o
Oriente Médio, 800 mil anos atrás. De lá, eles teriam se espalhado pela
Ásia. Posteriormente, há 400 mil anos, seus sucessores, os Homo sapiens
arcaicos, fizeram a parte final do caminho. O hominídeo que nos
antecedeu teria chegado ao Cáucaso e de lá partiu para a Europa. Tudo a
pé.
O arqueólogo Thomas Strasser, do Providence
College (EUA), fez uma descoberta que pode dar um caminho alternativo à
história de nossa origem. Sua equipe encontrou cerca de duas mil
ferramentas de pedra espalhadas em 29 sítios arqueológicos na ilha de
Creta, na Grécia. Os objetos seriam dos períodos paleolítico inferior e
mesolítico. Podem ter até 500 mil anos. “Como Creta é uma ilha isolada
do continente há pelo menos cinco milhões de anos, essas descobertas têm
implicações significantes para a história da navegação no
Mediterrâneo”, diz Strasser. Ele apresentou sua descoberta no encontro
anual do Instituto Arqueológico da América, na Califórnia. O estudo
completo será publicado em breve na revista científica “Hesperia”.
LAR
A ilha de Creta teria servido de “parada” no caminho para a Europa
Stresser e sua equipe supõem que, se
migrantes primitivos julgassem que pequenas ilhas poderiam ser lugares
atrativos para se viver, Creta seria um lugar ideal. A costa da vila de
Plakias tem cavernas e fica próxima de rios. Foi só procurar perto
desses lugares que os arqueólogos encontraram os artefatos. O passo
seguinte foi determinar a idade desses objetos. O que o arqueólogo está
supondo, porém, não é exatamente uma novidade. Um crânio foi achado na
ilha no século 19 mas, segundo Stresser, a sua idade foi determinada
pelo cascalho preso a ele e não pelo crânio em si. Um osso também foi
encontrado na Sardenha (Itália), outro território cercado de água e que
teoricamente seria inacessível a hominídios primitivos. No entanto, essa
é outra descoberta cercada de dúvidas. “Se as evidências da Sardenha um
dia se provarem verdadeiras, darão mais suporte ao nosso estudo”, diz
Strasser. “O que foi divulgado até agora é muito vago. Não é explicado
como se determinou a idade dos objetos. Encontrar ossos, sim, seria uma
forte evidência”, diz Levy Figuti, arqueólogo do Museu de Arqueologia e
Etnologia da USP. “Não dá para dizer também que a ilha foi usada como
escala para a Europa. Esses hominídeos podem ter chegado lá e nunca mais
ido embora.”
Strasser concorda. Ele diz não poder
afirmar para onde esses navegadores primitivos teriam ido se realmente
tivessem saído de Creta. Por enquanto, só é possível saber que os
artefatos encontrados são acheulianos – em outras palavras, os machados,
moedores, entalhadeiras, amoladores e pilões foram feitos de acordo com
a tecnologia que os Homo erectus utilizavam, mas não necessariamente
por eles. “Essas ferramentas são muito simples. Mesmo quem dominasse
técnicas mais avançadas poderia fazer uma delas”, explica Figuti.
Cientistas já afirmavam que o Homo erectus
tinha passado por trechos de mar para chegar na Indonésia, 800 mil anos
atrás. Grande parte daquela área, no entanto, era uma grande península.
Há evidências de que, há 100 mil anos, o nível dos oceanos chegou a
estar 50 metros abaixo do estado atual, facilitando a sa travessia. O
Mediterrâneo, porém, nunca foi ligado por terra ao continente na mesma
época em que hominídeos estavam presentes na Terra. Embora ainda precise
de mais evidências, a pesquisa traz à tona uma intrigante
possibilidade: a de que somos navegadores por natureza.
FONTE: Revista ISTOÉ independente.
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