terça-feira, 18 de junho de 2013

ROALD AMUNDSEN, O HOMEM QUE VENCEU O GELO ( Grandes Aventuras Humanas )

O homem que venceu o gelo


A lendária jornada de Roald Amundsen, o primeiro homem a desbravar o Polo Sul 




OS RIVAIS 
 OS RIVAIS O grupo britânico (Robert Falcon Scott no centro) usou roupas de lã e túnicas corta-vento para puxar trenós. Mas a sobrevivência exigia coisa melhor. “Qualquer expedição sem roupas de pele está mal equipada”, frisou Amundsen. 
“12 de setembro – terça-feira. Visibilidade ruim. Aragem irritante do S. -52°C. Os cães, prejudicados pelo frio. Os homens, rígidos nas roupas congeladas, mais ou menos satisfeitos depois de uma noite na geada […], perspectiva de tempo mais brando duvidosa.”

O autor dessa lacônica anotação em um diário era Roald Amundsen, norueguês que cinco anos antes ganhara fama por ter sido o primeiro a fazer a travessia de navio na lendária passagem Noroeste, que liga o Atlântico ao Pacífico. Agora ele estava no outro extremo do mundo, na Antártica, em busca do mais prestigioso prêmio que o mundo da exploração ainda oferecia: o polo Sul. Planejada com a típica meticulosidade nórdica, essa arrojada empresa era também resultado de um acaso. Dois anos antes, Amundsen, que andava absorto em planos de ampliar sua exploração do oceano Ártico e, quem sabe?, chegar ao limite setentrional, recebeu a notícia (depois contestada) de que Robert Peary já fincara sua bandeira no polo Norte. Foi o momento da guinada, como ele relembra: “Decidi mudar minha meta, fazer meia-volta e encarar o Sul”. Concluiu que, se conquistasse o outro polo, garantiria a fama e os financiamentos para futuras expedições. Em francos preparativos para o Ártico, ele planejou em segredo sua ida ao outro extremo do globo.
Mas nada garantia que ele iria ser o primeiro a chegar. Também rumava para lá a muito divulgada Expedição Britânica à Antártica, comandada pelo capitão Robert Falcon Scott. Esse rival povoava os pensamentos de Amundsen, como se vê na anotação de 12 de setembro em seu diário. Angustiado pela possibilidade de ser vencido por Scott, Amundsen precipitara-se, iniciando a jornada antes do começo da primavera polar com seu tempo mais suportável. O resultado foi a morte de valiosos cães e ulcerações por frio nos pés de seus homens, que demoraram um mês para se curar. Amundsen voltou às pressas a sua base, Framheim (nome inspirado em seu navio, o célebre Fram, que significa “avante”); abandonou dois companheiros, que chegaram esfalfados ao acampamento um dia depois dele. “Isso, para mim, não é expedição. É pânico”, disse a Amundsen o mais experiente explorador polar do grupo, Hjalmar Johansen. A crítica, recebida com ressentimento, custou a Johansen um lugar na equipe que partiria de vez ao polo.
A menção de erros crassos não é para censurar Amundsen, mas para derrubar um mito que há tempos o acompanha: o de que sua conquista do polo foi simples consequência de fria ambição e de aplicação desapaixonada de habilidade – e que, portanto, o norueguês foi um mero profissional sem brilho. Essa caracterização contrasta com a imagem de Scott, que, com seu galante time britânico, demonstrou determinação e coragem, lutando para vencer cada quilômetro e morrendo tragicamente no gelo.
A partida abortada de setembro de 1911 é um lembrete de que não se pode contar com resultados certos no arriscado campo da exploração polar. Amundsen, homem metódico e cauteloso, era também ambicioso e sujeito aos mesmos sonhos e impulsos perigosos que impelem todos os exploradores a arriscar a vida em rincões selvagens. A grandeza de Amundsen não está na ausência dessas forças motivadoras, mas no domínio delas, como se vê também nas anotações em seu diário. Quatro dias depois de sua largada prematura, o norueguês, racional, avaliou a situação de seu grupo e decidiu: “Retornar depressa e esperar a primavera. Arriscar homens e animais, prosseguindo com teimosia, está fora de cogitação. Se quisermos vencer o jogo, as peças terão de ser movidas do jeito certo; um movimento em falso pode pôr tudo a perder”. A capacidade de recobrar e manter a perspectiva quando se persegue um sonho pessoal apaixonante é uma qualidade rara. Como outros grandes exploradores, Amundsen soube a hora de voltar.
Um currículo admirável respaldava a empreitada de Roald Engelbregt Gravning Amundsen ao polo Sul. Nascido, em 1872, em uma família abastada de navegantes e armadores, ele zarpou aos 25 anos como segundo oficial do Belgica, integrando uma expedição científica à Antártica. Quando o Belgica encalhou no gelo, seus tripulantes conquistaram sem querer a distinção de serem os primeiros seres humanos a passar todo um inverno na Antártica. Abatidos, doentes, os membros do grupo não desmoronaram graças aos cuidados do cirurgião do navio, Frederick Cook (mais tarde famigerado por reivindicar, mentindo, a primazia da chegada ao polo Norte e ao topo do monte McKinley), e de Amundsen, cujo diário indica que ele tinha plena noção do meio em que se encontravam. “Quanto à barraca, na forma e no tamanho é confortável; porém, é demais suscetível ao vento”, observou, em fevereiro de 1898. Ao longo dos anos ele faria aperfeiçoamentos engenhosos no equipamento polar.
Ainda menino, Amundsen lera sobre a desastrosa busca da passagem Noroeste pelo inglês John Franklin. Era fascinado pelo tema. Em 1903, rumou para o norte no navio Gjøa com uma pequena tripulação, apenas seis homens (Franklin havia levado 129), em busca da passagem e da posição corrente do polo norte magnético (tendo em vista a respeitabilidade científica). Durante três invernos, Amundsen viveu e trabalhou no Ártico e, por fim, atravessou ao outro oceano, percorrendo uma abertura que contornava ilhas, baixios e gelo do arquipélago Ártico canadense até o mar de Beaufort e o mar de Bering – um histórico primeiro lugar. “A passagem Noroeste foi vencida”, escreveu Amundsen no diário, em 26 de agosto de 1905. “O sonho de minha meninice naquele momento se realizou. Um estranho sentimento brotou-me na garganta; eu estava meio tenso e esgotado – foi uma fraqueza minha –, mas senti lágrimas nos olhos.”
A expedição no Gjøa deu a Amundsen mais que seu primeiro prêmio geográfico. Permitiulhe conhecer de perto os esquimós netsiliks e sua esplêndida adaptação aos rigores do mundo ártico. Amundsen não foi o primeiro europeu a aprender com nativos. O grande explorador polar Fridtjof Nansen, entre outros, aprendera a vestir-se, deslocar-se e comer com o povo Sami, do norte da Noruega. Agora Amundsen suplementava esses conhecimentos com os recursos de sobrevivência que ele experimentara em pessoa: roupas folgadas de pele de rena que forneciam calor e ventilação, botas de pele, trenós de cães, calçados para neve, cavernas de gelo, iglus.
GALERIA DE FOTOS DA EXPEDIÇÃO

POSE HERÓICA DE ADMUNSSEN 
Com um agasalho de pele de lobo como os usados pelos esquimós netsiliks, Amundsen posa na neve, perto de sua casa na Noruega. Esta foto foi usada em suas palestras e para publicidade. 

COMIDA NA NEVE
COMIDA NA NEVE Depósitos de alimentos foram cruciais à sobrevivência dos dois grupos. Aos 80° sul, Amundsen escreveu, “paramos e deixamos um estoque […] de 12 caixas de paçoca de carne-seca para os cães […], uns 30 quilos de bife de foca e 50 quilos de gordura, além de 20 pacotes de chocolate. Também uma caixa de margarina e duas de biscoito de esquimó”. 

Grupo inglês de Scott 
Com cinco homens, o grupo de Scott chegou após 34 dias, observando os rastros dos noruegueses no final. Cabisbaixos, perceberam, nas palavras de Scott, que seus esforços tinham sido “privados da recompensa da prioridade”.

VITÓRIA E DERROTA


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