CULTO AO MARFIM
Milhares de elefantes morrem a cada ano para que suas presas sejam transformadas em objetos religiosos. É possível acabar com essa matança?
Foto:
Brent Stirton
Uma artesã chinesa retoca uma peça que simboliza a prosperidade. A
China adquiriu legalmente 65,8 toneladas de marfim africano em 2008;
desde então, a caça ilegal e o contrabando só aumentaram
Oficinas de marfim na China
No interior da Oficina de Entalhe em Marfim de Pequim, o cheiro e os
sons são similares aos de um consultório dentário. O zunido de brocas
aplicadas às presas preenche o ar. O pó de marfim acumula-se nos vidros
das janelas e nas esquadrias das portas – eu até o sinto nos dentes ao
passar por entre homens e mulheres debruçados sobre estatuetas que
reproduzem os temas mitológicos e religiosos que vejo por toda a China,
entre eles Guanyin, a divindade da misericórdia, uma figura parecida com
Nossa Senhora e deusa da fertilidade – as “doadoras de filhos”, muito
populares sob a política chinesa do filho único.
Na época em que foi instituída a proibição do comércio, americanos,
europeus e japoneses consumiam 80% de todo o marfim entalhado no mundo.
Hoje, no centro de Pequim, lojas de luxo oferecem Maseratis, Bentleys e
Ferraris ao lado de representantes da Gucci e da Prada. Perto dali fica o
Empório de Artes e Ofícios de Pequim, em cujo caixa automático no
térreo é possível retirar barras de ouro de 24 quilates. Subindo a
escada rolante, mais além das lojas que vendem jade e seda, a principal
butique local de marfim reluz como uma Tiffany coberta de neve. Um dos
primeiros artigos que noto é uma Guanyin entalhada atrás de uma vitrine e
com tantos zeros na etiqueta que tenho de pedir ajuda à conversão – 1
360 000,00 (cerca de 215 000 dólares).
A China é a grande vilã do marfim contrabandeado. Nos últimos anos, o
país esteve envolvido no maior número de apreensões em grande escala que
qualquer outra nação não africana. Pela primeira vez em gerações, os
chineses vislumbram um futuro abastado, e também podem voltar os olhos
para o próprio passado vibrante, marcado pela religião.
“Nem todos pensamos apenas em dinheiro”, corrige-me Xue Ping enquanto
tomamos chá em sua galeria de arte budista no Grande Hotel Pequim. Em
2007, ao fazer uma peregrinação pela rota do Buda do Nepal até a Índia,
esse publicitário teve uma visão na qual o Buda o desafiava a dedicar
sua vida ao bem. Ele voltou para casa e, em 2009, fundou a empresa Da
Cheng Bai Yi (cujo nome significa “transmitindo o grande legado”),
dedicada a apoiar os grandes mestres chineses em cinco modalidades
artísticas: laqueadura, entalhe em laca, porcelana, rolos de thangka
e entalhe em marfim. Com isso, Xue acabou conhecendo Li Chunke, de 62
anos, um dos 12 mestres entalhadores em marfim na China. Xue montou para
Li um ateliê no bairro dos artistas de Pequim, ofereceu-lhe um lugar
para morar e abriu essa galeria no hotel. Nada ali está à venda. Xue é o
único cliente de Li.
“O elefante é um amigo do homem”, diz Li. “Quando morrem, querem deixar
algo para o homem, como uma boa ação que vai se refletir em sua
existência vindoura.” Li entalha marfim para exaltar esse legado dos
elefantes. Como budistas, Li e Xue abominam qualquer tipo de matança. A
matéria-prima que usam vem de fornecedores oficiais, explicam, e,
portanto, deve ser originária de elefantes que morreram de causas
naturais.
Assim como alguns padres filipinos batizam imagens de marfim, há monges budistas que realizam a cerimônia de kai guang,
“abertura da luz”, como forma de consagrar imagens religiosas. “O
marfim é muito precioso”, explica Xue, “e, assim, para demonstrar
respeito ao Buda, devemos usar o material mais precioso. Se não for o
marfim, então o ouro.” É uma versão da mesma mensagem que me
transmitiram os católicos filipinos: o uso do marfim é uma forma de
venerar a Deus.
Em todas as lojas e oficinas que visitei na China, parte do estoque
consistia de esculturas religiosas, incluindo muitas das peças mais
valiosas. Entre seus compradores estão oficiais militares – bem
remunerados na China –, que costumam presentear seus superiores com
elas, e empresários, que usam as peças para influenciar seus negócios
sobre outros empresários e funcionários do governo. “Conhecemos isso
como ‘porta dos fundos’”, explica um representante da Associação de
Artes e Ofícios da China (AAOC), um órgão estatal. Portanto, a peça de
marfim é usada tal como antes se recorria a uma dispendiosa garrafa do
uísque escocês Johnnie Walker Blue Label – com a diferença que, se o
presente for bem-sucedido, o marfim é uma bênção tanto para quem o dá
quanto para quem o recebe.
Em uma galeria de Guangzhou, Gary Zeng me mostra, em seu iPhone, a foto
de uma bola de marfim, conhecida como “obra do diabo”, feita de 26
esferas concêntricas. Gary, de 42 anos, acabou de comprar duas delas –
uma para ele mesmo e a outra para um amigo empresário. Em seu Mercedes
novo, vamos até o condomínio fechado em que vive, e ali o vejo entregar a
bola menos cara a seu filho de 3 anos. Ela vai ser um dos principais
elementos da nova casa que Gary está construindo, destinada a “proteger
contra os demônios” – mas, por enquanto, o objeto de 50 000 dólares não
passa de um brinquedo valiosíssimo. Pergunto a Gary por que jovens
empresários como ele agora se interessam por objetos de marfim. “Ora,
porque são caros”, diz. “E artísticos.” “Mas você não pensa nos
elefantes?”, questiono. “Não. Nem por um instante.”
Em uma das ruas chinesas conhecida pela venda de objetos de marfim, um
placar eletrônico com quatro andares de altura exibe um vídeo que
anuncia aos transeuntes uma nova e tentadora oportunidade de
investimento: a venda de joias e artigos budistas já movimenta 15,8
bilhões de dólares por ano e está crescendo em um ritmo anual de 50%.
“Há quase 200 milhões de devotos budistas na China”, anuncia o vídeo.
Tudo no setor do marfim na China está à beira de um crescimento
explosivo. O governo autorizou a abertura de 35 oficinas de entalhe e
130 lojas de varejo, além de estimular a formação de entalhadores em
escolas como a Universidade de Tecnologia de Pequim. E, tal como nas
Filipinas, os entalhadores chineses, como o mestre Li, estão
transmitindo seu conhecimento aos parentes – ou seja, investem em seus
descendentes.
FONTE: Revista National Geographic Brasil
Um comentário:
ola explador,
obrigado por postar este texto, foi de grande valía.
tenho junto com meu irmao um programa de radio por internet, Músicas para Elefantes cegos, aquí tu pode ver e ouvir: http://mundomalungo.blogspot.com.es/
tomei a liberdade de compartir o post na pagina do facebook, sempre estamos subindo informaçao sobre nossos amigos paquidermes. :-)
estive vivendo muitos anos fora do brasil, e se acaso necesites un guia con idiomas, é só gritar. :-)
un abrazo desde sao paulo!
jean
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