CULTO AO MARFIM
Milhares de elefantes morrem a cada ano para que suas presas sejam transformadas em objetos religiosos. É possível acabar com essa matança?
Foto:
Brent Stirton
Para impedir que o marfim chegue ao mercado negro, um guarda florestal
em trajes civis retira as presas de um elefante macho abatido no Parque
Nacional Amboseli, no Quênia
Apesar disso, para a Cites, os leilões foram um sucesso, arrecadando
15,5 milhões de dólares, a maior parte destinada a projetos de
conservação na África. E, embora um preço médio de apenas 147 dólares
por quilo de marfim tenha significado menos recursos para conservação
nos países africanos, também teve a consequência, reconhecida pela
Cites, de que agora a China poderia cumprir com sua parte na manutenção
do comércio legal, inundando seu mercado interno com marfim barato. Isso
iria afastar os negociantes clandestinos, os quais vinham pagando até
850 dólares por quilo do marfim. O preço reduzido, afirmou Willem
Wijnstekers, da Cites, à agência de notícias Reuters, “ajudaria a conter
a matança ilegal”.
Em vez disso, porém, o governo chinês fez algo inesperado, e aumentou o
preço do marfim. Por intermédio de uma afiliada de sua Associação de
Artes e Ofícios, vendeu o produto ao empresário Xue Ping por 1 095
dólares o quilo, um aumento de 650%, e impôs taxas à Oficina de Entalhe
em Marfim de Pequim que elevaram o custo do produto de melhor qualidade a
1 168 dólares o quilo. As autoridades adotaram, ainda, um plano decenal
visando limitar a oferta ao liberar apenas 5 toneladas de marfim por
ano. Com isso, o governo, que controla quem pode vender marfim no país,
não estava minando o mercado negro, e sim usando seu poder para
implantar um monopólio mais lucrativo.
Aplicando a lógica do secretariado da Cites, de que preços reduzidos e
grandes volumes inviabilizariam o contrabando, os altos preços e a
oferta restrita adotados pela China agora tornariam o contrabando mais
vantajoso. Assim, a autorização para que a China comprasse marfim acabou
incentivando o tráfico, de acordo com grupos de observadores
internacionais e negociantes que conheci na China e em Hong Kong. Os
preços continuam a subir. Segundo Feng You Min, da Oficina de Entalhe em
Marfim Daxin, o preço do marfim bruto já é 20 vezes maior que aquele
pago nos leilões africanos.
Pouco antes de se discutir o tema dos elefantes em uma reunião da Cites
em agosto de 2011, os chineses conseguiram que fossem expulsas do local
todas as ONGs presentes. Foi um gesto extraordinário. Entre os
representantes afastados estava eu (em nome da National Geographic
Society). Tom Milliken, da Traffic, foi autorizado a permanecer, pois
iria apresentar os últimos resultados do Etis. O motivo dessa expulsão,
segundo Meng, foi o relatório de uma pequena mas influente ONG com sede
em Londres, a Agência de Investigação Ambiental (EIA, na sigla em
inglês), que enviara à China agentes disfarçados. No relatório, a EIA
afirma que o sistema chinês de controle do marfim é um fracasso, que até
90% do mercado chinês é ilegal e que os leilões de 2008 haviam trazido
de volta o tráfico.
Em 2011, a Cites fez uma confissão: “O secretariado continua empenhado
em entender muitos aspectos do comércio ilegal de marfim”. Em abril
deste ano, Tom Milliken admitiu, em entrevista à BBC, que “a autorização
para o comércio legal do produto para a China talvez tenha dado a
impressão para consumidores chineses de que não havia mais problemas em
comprar marfim”.
Meng Xianlin dá um sorrisinho enquanto encho de cerveja seu copo. Ele
conta-me que, quando o marfim africano chegou à China, um ruído curioso
podia ser ouvido em um dos carregamentos. Levou um tempo para descobrir o
porquê. No leilão na África do Sul, o marfim parecia ser da melhor
qualidade. Mas depois algumas presas começaram a rachar. Para conseguir
bom preço, especula ele, os sul-africanos haviam usado alvejante no
marfim, e agora a desidratação estava causando rachaduras nas presas.
Ainda mais valioso que o marfim branco do paquiderme da savana é o tipo
mais amarelado de uma espécie menor, a do elefante-da-floresta. “É o
melhor”, explica Feng, da Oficina de Entalhe em Marfim Daxin,
mostrando-me um pedaço da presa. Os entalhes feitos com aquele marfim
vendem tão rápido que os clientes precisam encomendá- los. A única peça
entalhada que tinha para me mostrar era uma antiga imagem rachada do
presidente Mao. O problema é que não há elefantes-da-floresta em nenhum
dos países dos quais a China comprou marfim legalmente. Eles vivem nas
regiões central e oeste da África, sobretudo em Camarões, o país
invadido por caçadores ilegais islâmicos no início deste ano.
Em março de 2013, haverá nova reunião da Cites para se discutir o futuro do elefante africano.
FONTE: Revista National Geographic Brasil
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