segunda-feira, 29 de outubro de 2012

HOMINÍDEO DEMOROU PARA DEIXAR ÁRVORES, APONTA ANÁLISE ( Paleoantropologia )


26/10/2012 - 05h09

Hominídeo demorou para deixar árvores, aponta análise


RAFAEL GARCIA
EM WASHINGTON

O processo de evolução que levou os ancestrais humanos a deixarem de viver sobre as árvores e se tornarem uma espécie totalmente adaptada ao chão foi mais lento do que se imaginava.
Uma nova análise mostra que o Australopithecus afarensis --ancestrais do Homo sapiensque viveram há mais de 3 milhões de anos-- continuou frequentando troncos e galhos com regularidade, apesar de já ser bípede.
Mais conhecidos pelo nome Lucy, fóssil de uma fêmea encontrado em 1974 na Etiópia, os australopitecos vinham desafiando cientistas até agora, porque o formato de seu braço era difícil de estudar em razão da falta de fósseis bem preservados. O novo estudo, liderado pelo anatomista David Green, da Universidade Midwestern, de Illinois (EUA), foi a primeira análise detalhada de uma escápula, osso que liga o ombro ao braço, encontrado em 2000.
Zeray Alemseged/Dikika Research Projec
Crânio de Selam, espécime do hominídeo Australopithecus afarensis que foi estudado
Crânio de Selam, espécime do hominídeo Australopithecus afarensis que foi estudado
Um análise do fóssil e uma comparação com macacos mostra claramente que a cavidade da escápula onde o braço se encaixa estava virada para cima, sinal de que Selam era adaptado para se pendurar em árvores. O estudo de Green tem o potencial de encerrar um debate antigo entre paleontólogos, pois muitos ainda defendem que o A. afarensis já passava o tempo todo no andar térreo. Segundo o americano, porém, há outras razões para se acreditar que o processo de adaptação ao chão foi mais longo e complexo.
"Os australopitecos tinham corpo muito pequeno, dentes caninos pequenos, e não produziam ferramentas e armas sofisticadas, se é que produziam alguma coisa", disse Green à Folha. "Como não tinham como se proteger dos predadores que estavam rondando pelo chão, provavelmente teriam de escalar árvores durante a noite. Além disso, a dentição deles sugere que ainda estavam se alimentado de frutas e outros produtos arbóreos, então, subir em árvores era importante para que adquirissem suas provisões."
O estudo de Green, publicado hoje na revista "Science" mostra como é difícil convencer a comunidade de paleoantropólogos a mudar de ideia sobre um assunto. Já se sabe desde as primeiras análises de Lucy que os australopitecos adultos tinham uma escápula apontando para cima, mas isso não convencia os cientistas de que os australopitecos ainda eram adaptados para a vida em árvores. Isso aconteceu porque os paleontólogos acreditavam que os adultos de A. afarensis tivessem uma forma meio "infantilizada" de esqueleto.
Humanos modernos têm a escápula virada para o lado, mas nossos bebês nascem com uma forma primitiva do osso, meio virada, e se transformam a medida que crescem. Criou-se a hipótese, então, de que a escápula de Lucy apontava para cima apenas porque seu corpo era pequeno como o de um juvenil. Estudando a transformação do osso da infância à vida adulta de macacos, dos australopitecos e de humanos, porém, Green mostrou que não é este o caso.
VÁCUO EVOLUTIVO
O estudo do cientista, agora, abre um vácuo no estudo da evolução humana, porque não existem escápula bem preservadas nas espécies que continuaram a linhagem que culminou no Homo sapiens. É possível que até o surgimento do Homo erectus, há "apenas", 1,8 milhão de anos, os hominídeos ainda fossem parcialmente adaptados às árvores.
"A medida que a historia evolucionária continuou, com o bipedalismo ficando cada fez mais importante, e a escalada de árvores menos importante, era de se esperar que essa forma primitiva da escápula fosse essencialmente perdida, mas acreditamos que isso seja apenas parte da história", diz Green. "Na verdade, muitas das características que vemos em humanos modernos têm a ver com a abilidade de manipular ferramentas e objetos na frente do corpo."
Habilidades como essa, talvez, são aquelas que teriam permitido aos humanos primitimos manipular armas e e construírem abrigos para se defender melhor dos predadores terrestres.
"Alguns traços da escapula humana moderna podem ter evoluído até mesmo a para explorar o espaço atrás do corpo", diz Green. "Para atirar uma pedra ou uma lança, é preciso mover o braço para trás, ao tomar impulso. Talvez seja por isso que nossa escápula tem a forma que vemos hoje."

FONTE: Folha.com/Ciência

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