Conheça Corné, o jovem bosquímano cheio de arte e de sabedoria
09:00, 5 de junho de 2012
Haroldo Castro
Geral Tags: África do Sul, Livros, Luzes da África
“LUZES DA ÁFRICA”: Nas páginas 102 a 104, relato nosso encontro com os bosquímanos Khomani-San, no Parque Transfronteiriço Kgalagadi, entre a África do Sul e Botsuana. Após uma exaustiva pesquisa sobre o DNA do ser humano, pesquisadores concluíram que os San são descendentes diretos de nossos primeiros ancestrais e que representam o grupo humano mais antigo do planeta.
TRECHO DO LIVRO: As temperaturas em Kgalagadi, com extremos que vão de 11º C negativos no inverno a 42º C na sombra no verão, comprovam que os animais que escolheram o deserto Kalahari como morada possuem caráter e força. Um dos antílopes mais elegantes de Kgalagadi é o órix. Como não precisa beber muita água – consegue extrair o líquido das plantas que come –, o órix pode viver nas dunas, nesse ambiente quente e seco.
Os bosquímanos Khomani-San viviam nessas terras há milhares de anos, bem antes dos governos da África do Sul e de Botsuana decretarem os parques. Por isso, os San receberam uma compensação econômica quando a reserva foi estabelecido. Os San também estão envolvidos com a pousada !Xaus. A iniciativa é um exemplo de parceria entre uma operadora turística e uma comunidade nativa. A comunidade possui 10% das ações da empresa e recebe um percentual mensal do movimento bruto da pousada. Cerca de 95% dos funcionários são da comunidade.
Alojados em !Xaus, saímos às 6h para uma caminhada no mato com um jovem San chamado Corné. Ele tem 23 anos, fala um inglês razoável, trabalha como guia e, nas horas vagas, faz artesanato.
Com seu bastão tradicional, ele cava o solo arenoso do deserto, encontra uma raiz e explica que o leite amargo é um potente energético.
– Bebemos algumas gotas quando não encontramos nenhuma comida no mato. Esse leite corta a fome – diz o jovem. – Nossos avôs nos ensinaram a ler a natureza. Só retiramos da terra o que precisamos. Para agradecer, sempre deixamos um fio de cabelo – completa Corné. Ele retira um fio crespo da cabeça e deposita no buraco que ele tapa.
Enquanto nossa civilização ocidental constrói cidades e pretende modificar o mundo natural, para que o ambiente se adapte às necessidades humanas e urbanas, as populações nativas, como os San, lêem o livro da natureza viva e tratam de se moldarem a ela.
Quando o sol deixa de queimar a pele, podemos andar a milha que separa a pousada do vilarejo San, onde vive uma dezena de bosquímanos. Como a maioria dos bosquímanos aprendeu a falar apenas africâner e raramente inglês, vamos precisar de tradução. Uhn Gert é o ancião do grupo, considerado o medicine man, aquele que conhece as ervas medicinais.
Sabendo da presença de jovens no vilarejo, Mikael trouxe uma bola de futebol. Corné se levanta e começa a fazer embaixadas e a equilibrar a bola na cabeça. Fico surpreso com o controle que tem. Dois outros meninos San também querem brincar. Mikael entra no jogo. Até eu embarco e me disponho a ser o bobinho, correndo atrás da bola que passa pelos pés dos bosquímanos. Nunca poderia imaginar que os San teriam algum interesse em esporte. O futebol se tornou uma linguagem universal, aproximando pessoas de todas as culturas.
Na despedida, Corné mostra alguns dos artesanatos que ele faz. A venda dos objetos representa uma pequena fonte de renda para a comunidade. Uma de suas habilidades é desenhar, com diferentes ferros em brasa, figuras tradicionais em ossos e em pedaços de madeira.
Depois da burrada na reserva do Cabo, quando meu chaveiro se despedaçou no asfalto, perdi o símbolo de Omega Megog que havia sido cuidadosamente criado por João Makray. Ao descobrir a destreza de Corné, penso em ter um novo chaveiro. Entre as pequenas obras confeccionadas por ele, encontro um pedaço de madeira de um centímetro de espessura. Com uma imaginação fértil e alguma licença geográfica, a lâmina transversal (de algum arbusto ou cipó) possui a forma do continente africano. Em um lado, Corné havia desenhado, com seus estiletes ardentes, uma serpente ondulada, envolvendo cinco pegadas de um pássaro. O outro lado está virgem.
Levo Corné até a Nandi para mostrar os adesivos com a marca Omega Megog. Mais que um simples enfeite na carroceria, o logotipo, criado por João, simboliza a mistura dos símbolos de Mercúrio, Garuda e Ogum. Corné copia a figura e, na manhã seguinte, tenho um novo chaveiro protetor (foto).
A obra de Corné continua com minhas chaves até hoje!
FONTE: Blog Viajologia/Haroldo Castro/Revista Época
Nenhum comentário:
Postar um comentário