POR MARCELO GLEISER
09/09/2012
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05h00
O tempo, a Terra e a Lua
A Lua, segundo as teorias mais recentes, veio da Terra, arrancada por
uma colisão cataclísmica com um planetoide do tamanho de Marte. Isso
ocorreu na infância do Sistema Solar, uns 4,5 bilhões de anos atrás.
Para quem aprecia referências bíblicas, a Lua é como Eva, nascida da
costela de Adão, no caso, a Terra.
A matéria que foi assim arrancada acabou por se dispersar em torno da
Terra e, aos poucos, foi se reaglutinando em um único corpo celeste,
fadado a girar em torno de seu astro criador pela inexorável ação da
gravidade.
Com isso, Terra e Lua têm suas dinâmicas interligadas desde a sua
origem. Como a Lua veio da Terra, sua distância até nós já foi bem
menor. Se hoje a Lua ocupa não mais do que uma área equivalente a uma
unha no céu (em torno de meio grau), ela já foi bem mais visível.
Essa proximidade, devido ao fato de a força da gravidade cair com o
quadrado da distância, significa que, no passado, a influência da Lua
sobre a Terra, e a da Terra sobre a Lua, era muito maior.
Hoje, o efeito mais óbvio dessa atração são as marés, duas altas e duas
baixas por dia. Fazendo as contas, a força das marés varia com o cubo da
distância, sendo ainda mais sensível à ela do que a atração
gravitacional. Portanto, no passado, as marés eram mais dramáticas do
que são hoje.
A intensidade era tal que oceanos podiam se elevar por centenas de
metros, e a própria crosta terrestre pulsava, variando em altitude por
dezenas de metros, como se fosse feita de massa de modelar. Aos poucos, a
Lua foi se afastando da Terra, como continua a fazê-lo, numa taxa de 4
cm ao ano. Isso significa que o efeito de maré diminui com o tempo. E os
dias vão se tornando cada vez mais longos.
Muita gente me pergunta se o tempo anda passando mais rápido do que
antigamente. A resposta é não; um minuto continua sendo um minuto, já
que a definição de minuto não mudou. O que muda sempre é a duração do
dia, mesmo que de modo imperceptível para nós. Estimativas atuais
afirmam que a duração de um dia, uma revolução completa da Terra em
torno de si mesma, aumenta 1,7 microssegundos por século. Com esse passo
de tartaruga, meio bilhão de anos atrás o dia durava um pouco mais de
22 horas, e um ano tinha 397 dias.
Esse efeito vem, também, das marés. A Lua, que hoje nos mostra sempre a
mesma face, já girou de maneira diferente. No futuro longínquo, com a
desaceleração contínua da rotação da Terra, o dia durará 47 horas, e a
distância até a Lua será 43% maior do que é hoje.
A essa altura, a Terra girará em torno de seu eixo com o mesmo período
no qual a Lua girará em torno da Terra. A Lua estará sempre sobre o
mesmo ponto do nosso planeta, como hoje o fazem os satélites
geossíncronos. Será um futuro estranho, muito diferente de hoje, quando a
Lua ainda é generosa com todos na Terra. Mas isso só ocorrerá dentro de
bilhões de anos.
Pensando sobre esses efeitos, vemos como tanto em nossas vidas é produto
de convenções que, mesmo se tomadas como permanentes, não o são. Tudo
vem da nossa percepção da passagem do tempo, a qual, numa vida de apenas
uma centena de anos, é cega aos percalços lentos da dança dos astros.
Marcelo Gleiser é professor de física e astronomia do
Dartmouth College, em Hanover (EUA). É vencedor de dois prêmios Jabuti e
autor, mais recentemente, de "Criação Imperfeita". Escreve aos domingos
na versão impressa de "Ciência".
FONTE: folha.com/Colunistas
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