Unesco
Humanismo multicultural
Crises sucessivas e um grande número de refugiados estão transformando a paisagem sociocultural. Para enfrentar os desafios dessas mudanças é necessário um novo tipo de humanismo, capaz de responder às demandas de comunidades compostas por diferentes culturas em permanente multiplicação.
Por Asimina Karavanta*
Sociedade intercultural
Os gregos antigos acreditavam que a especificidade humana era o fato de o homem viver em uma sociedade regida pela lei – em outras palavras, em uma cidade-Estado (polis, em grego). O filósofo Aristóteles (século IV a.C.) desenvolveu a ideia dos seres humanos como “animais políticos”, moradores da cidade (bios politicos em grego). Mais recentemente, a filósofa norte-americana nascida na Alemanha Hannah Arendt retratou o refugiado moderno como um bios politicos por excelência, embora desprovido de uma polis.
Hoje, as crises políticas e econômicas que assolam o mundo não estão só aumentando o número de refugiados, mas também privando os cidadãos dos direitos ao trabalho e à educação longamente estabelecidos. O cidadão torna- se, agora, um cidadão a-polis, aquele que está sendo privado de direitos. Nas praças de Madri, Cairo e Atenas, para mencionar alguns casos recentes de revoltas políticas, o refugiado apátrida encontra o cidadão a-polis. Mesmo que suas exigências sejam diferentes, estão ligados por reivindicações compartilhadas de um ideal democrático que reconhece o anthropos como seu primeiro e mais fundamental princípio.
Apesar das diferenças em suas posições políticas e econômicas, tanto o refugiado apátrida quanto o cidadão a-polis requerem a configuração de uma nova polis. Aí, onde a diversidade de línguas, de tradições e de mitos constitui uma realidade diária, a prática da tradução e da transculturação torna-se uma prática de sobrevivência.
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Um dos desafios atuais do humanismo é desenvolver condições favoráveis para as sociedades interculturais. Em outras palavras, criar sociedades que permitam a refugiados e cidadãos nativos estabelecer intercâmbios duráveis e produtivos. Quando vista como um campo comum partilhado por alianças múltiplas, essa sociedade intercultural pressupõe uma reconfiguração radical das instituições e dos discursos políticos, educacionais e sociais, que devem atender às necessidades de expansão das comunidades interculturais nos Estados-nações e suas formações supranacionais.
A interculturalidade é uma condição, tanto ontológica quanto política, que transforma o Estado-nação a partir de seu interior. No entanto, para os seres humanos serem reconhecidos social e politicamente como singulares, mas também iguais, é necessário reformar a educação de modo a permitir o florescimento de uma aprendizagem e de uma vivência intercultural que significa, nas palavras do filósofo francês Jacques Derrida, abrir continuamente as leis da hospitalidade para o estrangeiro a quem “a hospitalidade é devida”.
Construir esse tipo de humanismo hospitaleiro para aquele que continua a ser um anthropos estrangeiro, que na reconstituição de suas leis e discursos fala com sua condição política e ontológica radicalmente diferente, é a tarefa das ciências humanas hoje. Segundo a feminista norte-americana Judith Butler, essa tarefa significa, “nos voltarmos para o humano onde não esperamos encontrá-lo, em sua fragilidade e nos limites da sua capacidade de fazer sentido”. Trata-se de pensar o humano como o anthropos sempre já em jogo, sempre já em risco, como a face cujo olhar
FONTE: Revista Planeta
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