sexta-feira, 27 de julho de 2012

ILHA DO MEDO ( PARTE II )

Evolução

Ilha do medo

Não há mamíferos nem fontes de água potável na Queimada Grande. Quem sobrevive nessa ilha paulista são milhares de cobras e aranhas venenosas. E a evolução se encarrega do resto

Concluiu que, para matar a ave com a peçonha da Bothropoides insularis, era suficiente uma dose cinco vezes menor que a dose letal do veneno da Bothropoides jararaca. "Ele é mais potente para aves, mas não para mamíferos", explica Otávio Marques, do Butantan. Se a peçonha não matasse a presa em poucos segundos, ela poderia morrer distante, impossibilitando o predador de comê-la. Assim, para garantir a refeição, a cobra pica o pássaro e não o solta mais, começando a engoli-lo logo em seguida.

O que mata suas vítimas na natureza, porém, pode salvar vidas humanas. Ao estudar o veneno da jararaca comum, pesquisadores brasileiros descobriram, em 1948, o vasodilatador bradicinina, que tem ação anti-hipertensiva e que mais tarde deu origem ao medicamento Captopril. Em 2001, foi patenteado outro anti-hipertensivo baseado nas mesmas toxinas, o Evasin. Embora essas substâncias, do ponto de vista bioquímico, sejam parecidas nas duas espécies - tanto que o soro antiofídico é o mesmo -, acredita-se que as poucas enzimas diferentes da peçonha da jararaca-ilhoa possam dar origem a novos fármacos.

Para os ambientalistas, esse é um dos motivos da retirada ilegal de cobras da Queimada Grande. "Por ser uma espécie endêmica e pelas propriedades ainda inexploradas do veneno, ela tornou-se um alvo cobiçado da biopirataria", afirma Raulff Lima, coordenador executivo da Renctas, ONG de combate ao tráfico de animais. "As serpentes, de um modo geral, são muito resistentes. Elas podem ficar dias sem comer, o que facilita seu envio a outros países", afirma.

A pesquisadora Karina Kasperoviczus, da Universidade de São Paulo (USP), ficou cara a cara com um dos intermediários do tráfico. Em 2008, ao desembarcar em São Vicente depois de estudos na Queimada Grande, ela foi abordada por um homem, que anunciou estar disposto a pagar 30 000 dólares para cada jararaca-ilhoa. "Ele dizia ter compradores para quantas cobras fossem capturadas", conta. Karina já ouviu relatos de pescadores que afirmaram ter visto pessoas com caixas de isopor na Queimada Grande.

O próprio Instituto Butantan retirou da ilha por volta de 830 exemplares desde a década de 1920 - quantidade significativa para uma população total de 2 134 indivíduos, segundo a estimativa mais precisa realizada até hoje publicada em 2008 por pesquisadores da USP e do instituto. Segundo essa contagem, a densidade populacional da Queimada Grande é de 50 serpentes por hectare, o que a torna um dos maiores serpentários naturais do mundo.

Mas, por estar concentrada em uma área tão pequena, a espécie corre sérios riscos. A endogamia resulta, no longo prazo, em baixa variabilidade genética dos indivíduos, o que os torna mais suscetíveis a doenças e à ocorrência de características anormais - uma prova disso seria o órgão sexual masculino não desenvolvido encontrado em algumas fêmeas, sem nenhuma função reprodutiva. Também já foi identificado por cientistas um espécime hermafrodita. "Essa é uma característica primitiva, e sua ocorrência na jararaca-ilhoa está associada a alterações em cromossomos relacionados ao sexo, devido à cosanguinidade", diz Marcus Augusto Buononato, biólogo que já esteve mais de 20 vezes na ilha.

Buononato diz que, nos anos 1980, em suas primeiras viagens, "não passava cinco minutos sem ver uma cobra". Nas últimas visitas, o número de encontros é bem menor e os animais, que podiam chegar a 1,20 metro, não passam de 70 centímetros. 
 
FONTE: Revista Planeta Sustentável

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