Ambiente
Divulgação
Na
falta de mamíferos, a jararaca-ilhoa teve de adaptar-se à vida nas
árvores para poder caçar pássaros, mortos por um veneno cinco vezes mais
poderoso que o da jararaca do continente
evolução
Ilha do medo
Não há mamíferos nem fontes de água potável na Queimada Grande. Quem sobrevive nessa ilha paulista são milhares de cobras e aranhas venenosas. E a evolução se encarrega do resto
"Olha uma ali!" Enrodilhada em galhos que parecem prestes a se quebrar
com o peso, ela não se mexe nem mesmo com a nossa aproximação. Demoro
para ver, em meio à folhagem, o que meus parceiros de expedição - o
biólogo Breno Damasceno e o fotógrafo João Marcos Rosa - percebem logo. A
serpente amarela com manchas marrons, quase invisível atrás das folhas,
é a jararaca-ilhoa, o perigoso animal que ocupa o degrau mais alto da
cadeia alimentar na ilha da Queimada Grande, um rochedo de granito
forrado de Mata Atlântica, 33 quilômetros distante da costa da cidade de
Itanhaém, no litoral sul de São Paulo. Sou tomado de um sentimento
misto de empolgação e medo.
A Queimada Grande, afinal, não é nada hospitaleira com seus visitantes, das pequenas aves migratórias aos raros seres humanos que ousam pisar em seus 43 hectares (o equivalente a 40 campos de futebol). Como não há praias, o embarque e o desembarque são sempre complicados, quando não impossíveis. Não há fontes de água potável ou alojamento esperando pelos visitantes. As trilhas são íngremes e faz muito calor; a chuva, não raro, vem com tempestades de vento cortante. Há aranhas venenosas e, claro, cobras, milhares delas - no chão, nas pedras, na relva, nas árvores, por toda parte.
Mesmo assim, pisar pela primeira vez na rocha escorregadia que serve de porto é um alívio para quem passou a noite balançando em uma lancha ancorada - com as devidas consequências gástricas inerentes a marinheiros de primeira viagem, como era o meu caso. O percurso desde o continente levara apenas duas horas, mas era madrugada quando chegamos, e desembarcar sem a luz do sol estava fora de cogitação. Por isso, permanecemos chacoalhando até as 6 da manhã - só então pudemos deixar o barco que voltaria ao continente para esperar o dia do nosso resgate. Eu estava debilitado e confuso quando ele começou a se distanciar da ilha, com as pessoas a bordo acenando. Não havia tempo, porém, para refletir sobre aquele momento insólito, muito menos para descansar. Uma chuva se anunciava no horizonte e precisávamos armar acampamento o quanto antes. A barraca seria o máximo de conforto que eu teria nos próximos dias. Sono tranquilo, banho, banheiro e boas refeições eram privilégios que tinham ficado na costa.
Formada há 55 milhões de anos, em um desdobramento das origens da serra do Mar, a ilha da Queimada Grande foi ligada ao continente em diferentes períodos do passado. Entre 10 mil e 12 mil anos atrás, quando terminou a última glaciação da Terra, a área acabou cercada pelo mar, em decorrência da elevação no nível dos oceanos. A população de serpentes, que provavelmente eram da mesma espécie do continente - Bothropoides jararaca -, ficou ilhada. Sem pequenos mamíferos para caçar, as cobras precisaram se adaptar à vida em cima das árvores, pois a principal comida disponível eram as aves, de passagem pela ilha em suas migrações.
A mudança de padrão alimentar forçou alterações no comportamento. Enquanto o parente continental preserva hábitos terrestres na vida adulta, a ilhoa aprendeu a prender-se no alto das árvores pela cauda, a qual forma um laço em volta dos galhos e a sustenta pendurada - apenas os indivíduos jovens ficam o tempo todo no chão, pois se alimentam de lacraias, lesmas e sapos.
Outra diferenciação significativa está na potência de seu veneno. Pioneiro nas pesquisas sobre a cobra - descreveu a espécie em 1921 -, Afrânio do Amaral, um dos primeiros diretores do Instituto Butantan, em São Paulo, aplicou em pombos o veneno da jararaca-ilhoa e da continental.
A Queimada Grande, afinal, não é nada hospitaleira com seus visitantes, das pequenas aves migratórias aos raros seres humanos que ousam pisar em seus 43 hectares (o equivalente a 40 campos de futebol). Como não há praias, o embarque e o desembarque são sempre complicados, quando não impossíveis. Não há fontes de água potável ou alojamento esperando pelos visitantes. As trilhas são íngremes e faz muito calor; a chuva, não raro, vem com tempestades de vento cortante. Há aranhas venenosas e, claro, cobras, milhares delas - no chão, nas pedras, na relva, nas árvores, por toda parte.
Mesmo assim, pisar pela primeira vez na rocha escorregadia que serve de porto é um alívio para quem passou a noite balançando em uma lancha ancorada - com as devidas consequências gástricas inerentes a marinheiros de primeira viagem, como era o meu caso. O percurso desde o continente levara apenas duas horas, mas era madrugada quando chegamos, e desembarcar sem a luz do sol estava fora de cogitação. Por isso, permanecemos chacoalhando até as 6 da manhã - só então pudemos deixar o barco que voltaria ao continente para esperar o dia do nosso resgate. Eu estava debilitado e confuso quando ele começou a se distanciar da ilha, com as pessoas a bordo acenando. Não havia tempo, porém, para refletir sobre aquele momento insólito, muito menos para descansar. Uma chuva se anunciava no horizonte e precisávamos armar acampamento o quanto antes. A barraca seria o máximo de conforto que eu teria nos próximos dias. Sono tranquilo, banho, banheiro e boas refeições eram privilégios que tinham ficado na costa.
Formada há 55 milhões de anos, em um desdobramento das origens da serra do Mar, a ilha da Queimada Grande foi ligada ao continente em diferentes períodos do passado. Entre 10 mil e 12 mil anos atrás, quando terminou a última glaciação da Terra, a área acabou cercada pelo mar, em decorrência da elevação no nível dos oceanos. A população de serpentes, que provavelmente eram da mesma espécie do continente - Bothropoides jararaca -, ficou ilhada. Sem pequenos mamíferos para caçar, as cobras precisaram se adaptar à vida em cima das árvores, pois a principal comida disponível eram as aves, de passagem pela ilha em suas migrações.
A mudança de padrão alimentar forçou alterações no comportamento. Enquanto o parente continental preserva hábitos terrestres na vida adulta, a ilhoa aprendeu a prender-se no alto das árvores pela cauda, a qual forma um laço em volta dos galhos e a sustenta pendurada - apenas os indivíduos jovens ficam o tempo todo no chão, pois se alimentam de lacraias, lesmas e sapos.
Outra diferenciação significativa está na potência de seu veneno. Pioneiro nas pesquisas sobre a cobra - descreveu a espécie em 1921 -, Afrânio do Amaral, um dos primeiros diretores do Instituto Butantan, em São Paulo, aplicou em pombos o veneno da jararaca-ilhoa e da continental.
FONTE: Revista Planeta Sustentável
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