No ano 350 a.C., o homem de Tollund foi enforcado e enterrado num pântano da Jutlândia, na Dinamarca. Em 1950, seu corpo foi encontrado incrivelmente preservado, graças ao solo ácido e à falta de oxigênio da água. Depois de muito estudá-lo, cientistas, agindo como detetives, fizeram descobertas intrigantes.
Texto e fotos de Johnny Mazzilli
Até 1965, nada menos do que 1,8 mil corpos já haviam sido descobertos em pântanos da Europa Setentrional. Na época, muitos recursos de pesquisa de hoje estavam longe de existir. Parte dos corpos era formada por apenas fragmentos, muitos dos quais, uma vez retirados dos pântanos, rapidamente se deterioraram. Parte do material foi catalogada, muita coisa se perdeu e poucos cadáveres – só os mais bem preservados – se tornaram objetos de interesse e ganharam notoriedade.
Nos pântanos da Jutlândia, os corpos mostram sinais de terem sido executados por enforcamento e depositados na turfa, e sua datação é parecida. Os arqueólogos acreditam que se trata de vítimas de sacrifícios humanos na época do paganismo germânico politeísta, durante a Idade do Ferro, que durou de 500 a.C. até o ano 800 d.C. As turfeiras eram lugares de contato e de sacrifício aos deuses.
Da mulher de Elling restou intacto apenas o cabelo ruivo, descolorido pela acidez da turfa. Também ela foi enforcada.
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Depois de executado, o homem de Tollund não foi abandonado ao ar livre ou atirado em uma vala, tratamento dado a criminosos e a inimigos, mas, sim, colocado no lugar onde foi enterrado, junto com a corda arrumada em espiral. Os olhos e a boca foram cerrados como se dormisse. A língua, entretanto, estava distendida – sinal de enforcamento. Aparentemente, foi morto no fim do inverno ou no começo da primavera, sugerem os ingredientes encontrados em seu estômago. Nessa época os sacrifícios eram associados à deusa da primavera, Ostera, no paganismo germânico. Só os melhores homens eram destinados aos deuses.
Não há registros escritos desse tempo. Mas quatro séculos depois, o escritor romano Cornélio Tácito coletou relatos de mercadores que viajaram pelo norte e contaram que as tribos escandinavas costumavam “enforcar em árvores traidores e renegados, que eram afundados no pântano e cobertos de gravetos”. Outras, “como a tribo dos semnonanos, do norte da Alemanha, sacrificavam homens aos deuses por enforcamento”. Um bracelete de prata encontrado com o corpo do homem de Raevemosen – o famoso Gundestrupkarret – retrata uma cena de sacrifício, ocorrida na mesma época do homem de Tollund, em que uma vítima é jogada em um tonel. O gorro pontudo de couro de ovelha parece ser o mesmo.
Após os exames, o homem de Tollund, que ficara dois milênios imerso em ambiente anaeróbico, foi trazido a um ambiente aeróbico povoado por bactérias e logo começou a se decompor. Como a cabeça e os pés eram as partes mais preservadas, os cientistas decidiram se concentrar na sua conservação. O restante do corpo foi desidratado e armazenado em uma câmara fria do Museu Nacional, em Copenhague. Uma réplica do corpo foi montada com as partes verdadeiras – a cabeça, a corda do enforcamento, o gorro e os pés – e pode ser vista no Museu de Silkeborg, na cidade homônima.
Anos de investigação permitiram aos cientistas reconstituir a história do homem de Tollund.
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Já o homem de Grauballe, outra celebridade oriunda dos pântanos bem preservada pela turfeira do norte da Jutlândia, teve sua garganta cortada no século 3 a.C. Ao contrário da serenidade facial do homem de Tollund, que parece dormir o sono tranquilo dos justos, um enorme talho na garganta e uma expressão atormentada na face parecem revelar a agonia de seus momentos finais. Sobre ele o poeta irlandês Seamus Heaney escreveu um poema que diz: “Como se tivesse sido derramado/ Em alcatrão ele jaz/ Em um travesseiro de turfa/ Parece chorar/ O rio negro de si próprio.”
FONTE: Revista Planeta
PARA SABER MAIS Museu de Silkeborg www.silkeborgmuseum.dk The Tollund Man - A Face from Prehistoric Denmarkhttp://www.tollundman.dk/ |
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