quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A ESCRAVIDÃO AINDA EXISTE ... ( Apesar de ilegal, o trabalho escravo não está extinto. Mais de 36 mil pessoas foram resgatadas dessa situação nos últimos 15 anos no Brasil )


HISTÓRIA

A escravidão ainda existe

Apesar de ilegal, o trabalho escravo não está extinto. Mais de 36 mil pessoas foram resgatadas dessa situação nos últimos 15 anos no Brasil


Elisângela Fernandes
Infelizmente, tratar o trabalho escravo como uma página virada da história do Brasil é um erro. A Lei Áurea, de 13 de maio de 1888, foi, sem dúvida, um passo fundamental para que o Estado brasileiro reconhecesse como ilegal o direito de propriedade de uma pessoa sobre a outra. O problema, no entanto, ainda persiste, embora se apresente de forma diferente da ocorrida até o século 19. Mostra disso são os mais de 36 mil trabalhadores resgatados em situação análoga à de escravo desde 1995, segundo dados do Ministério do Trabalho. 

Tratar das formas contemporâneas de escravidão em sala de aula pode ser uma valiosa estratégia para desenvolver o conceito de trabalho, de uma maneira que o assunto faça sentido para os alunos. Assim, o professor abre diversas possibilidades de abordagem do tema: demonstra que o problema existe na sociedade atual e alerta e previne as pessoas sobre ele. Além disso, faz a comparação entre a escravidão no passado e nos dias atuais, buscando relações sobre as precárias condições de vida e trabalho dos escravos libertos pela Lei Áurea e seu possível impacto na atual desigualdade social, entre outras perspectivas. 

A Escola da Vila, em São Paulo, trabalha o tema da escravidão contemporânea com os alunos do 5º ano durante todo o segundo trimestre. A proposta consiste na apresentação da questão para a construção do conceito de trabalho. "Começamos com a apresentação de notícias sobre a escravidão para que eles possam saber da existência do problema no Brasil", conta a professora Clarice Barreira Camargo. Ela também instiga os estudantes a identificar a data das reportagens para reforçar que são eventos contemporâneos. 

Durante a proposta, são utilizados diversos materiais, entre eles, textos de diferentes gêneros e épocas, que incentivam o estudante a investigar documentos históricos. Também estão presentes mapas, que apontam os estados onde o problema é mais recorrente, e gráficos com as atividades econômicas que mais utilizam mão de obra escrava. Além desses, cópias de anúncios sobre escravos fugitivos, imagens e cartas do período colonial e o texto da Lei Áurea são recursos utilizados pela escola. Por fim, é feita uma comparação com a escravidão existente no período colonial e imperial no país. "Também indicamos textos da homepage da organização não governamental Repórter Brasil e os próprios estudantes vão descobrindo novos caminhos", afirma Clarice. 

A PREOCUPAÇÃO DO BRASIL COM O COMBATE À ESCRAVIDÃO É RECENTE 
Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), as formas contemporâneas de servidão têm dois elementos básicos: trabalho ou serviço impostos sob a ameaça de punição e aquele executado involuntariamente, sendo que ambos envolvem o cerceamento da liberdade. Segundo a última estimativa da OIT, mais de 12 milhões de pessoas em todo o mundo são vítimas do trabalho forçado. 

VEJA QUADRO: Vergonha nacional

Leonardo Sakamoto, presidente da ONG Repórter Brasil, uma referência no combate ao trabalho escravo no país, afirma que a escravidão do século 19 é bem distinta da atual. "Antes, o custo da caça aos índios ou da aquisição e do transporte de africanos era muito alto. Hoje temos um exército de mão de obra desempregada e pobre, que pode ser cooptado e aliciado", diz. De acordo com Sakamoto, muitas pessoas seguem o aliciador acreditando ter conseguido um bom emprego, quando na verdade estão indo para uma forma de prisão. 

Uma das principais causas do problema é a enorme desigualdade entre as classes sociais. "Essa situação propicia sempre um ambiente favorável ao recrudescimento ou ao ressurgimento de condutas escravistas e a concentração fundiária é absolutamente perniciosa nesse sentido", aponta Neide Esterci, professora do Departamento de Antropologia Cultural da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

O coordenador do projeto de combate escravo da OIT no Brasil, Luis Machado, explica que essa não é uma mazela exclusivamente nacional e nem típica dos países pobres, embora pondere que "a pobreza é um catalisador". 

A existência do trabalho escravo no Brasil, após a abolição, somente foi reconhecida um século depois, com a instituição, em 1995, do Grupo Móvel de Fiscalização do Trabalho. Oito anos depois, foi criado o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Ainda em 2003, surgiu a Lista Suja do Trabalho Escravo, que é pública e atualizada a cada seis meses pela OIT, a Repórter Brasil e o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. Empregadores que entram nela ficam por dois anos, período durante o qual têm de provar que extinguiram a prática. Entre os empecilhos trazidos a eles, está a impossibilidade de obter empréstimos e financiamentos de instituições públicas de crédito. 

A OIT reconhece o esforço feito, mas, em seu último relatório global, de 2009, aponta que o maior desafio do Brasil no combate ao trabalho escravo é a impunidade, pois, mesmo com um número expressivo de casos identificados, é raro alguém ser condenado por esse crime. 

A Amazônia Legal é recordista em libertação de trabalhadores e em número de fazendas em que há autuações. Existem fazendeiros que, para realizar a derrubada de matas nativas para a formação de pastos, produzir carvão para a indústria siderúrgica e preparar o solo para o plantio de sementes, entre outras atividades agropecuárias, contratam mão de obra utilizando os contratadores de empreitada, os chamados "gatos". Eles aliciam os trabalhadores, servindo de fachada para que os fazendeiros não sejam responsabilizados pelo crime. Mas essa prática não é exclusiva do campo. Na zona urbana, é comum a presença de imigrantes latino-americanos cativos em tecelagens e oficinas de costura e na construção civil. 

Clarice conta que a discussão sobre a Lista Suja em sala de aula é sempre marcante, pois os alunos se dão conta da dimensão e da atualidade do fato. Para Luis Machado, essa concientização é fundamental: "A população precisa perceber que, ao comprar produtos com preços muito abaixo do mercado, pode estar incentivando o trabalho escravo e infantil, além da pirataria". 

Para auxiliar os docentes de regiões pobres a alertar seus alunos sobre o tráfico de seres humanos para o trabalho escravo rural, o Ministério da Educação (MEC) lançou a publicação Escravo, Nem Pensar! - Almanaque do Alfabetizador, distribuída pelo ministério para mais de 40 mil professores da rede pública. 

Mesmo quem está longe do problema precisa trabalhar a complexidade dos temas sociais, sempre com muita sensibilidade. "Alguns assuntos e correlações podem ser difíceis para alunos de 10 anos", diz Clarice. "Eles são pequenos, mas a capacidade de interpretar e compreender textos mais complexos aumenta à medida que ganham experiência. É muito importante que tomem contato com realidades diferentes da que vivem, afinal nosso mundo é cada vez mais interligado. Esse assunto lida com vários conceitos, que serão retomados e aprofundados mais adiante", conclui. 

A SERVIDÃO NO MUNDO ATUAL (Quadro Abaixo )


                                                              


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