Paleoparasitologia
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Uma nova
ciência para interpretar o passado
Luciana
Sianto, Alexandre Fernandes,
Rodrigo Luiz Lobo, Luiz Fernando Ferreira,
Marcelo Luiz Carvalho Gonçalves
e Adauto Araújo
Rodrigo Luiz Lobo, Luiz Fernando Ferreira,
Marcelo Luiz Carvalho Gonçalves
e Adauto Araújo
A ciência
que estuda o fenômeno parasitismo é chamada de parasitologia. Um de seus
ramos, a paleoparasitologia, originou-se da paleopatologia e recebeu este
nome no ano de 1979, quando o médico Luiz Fernando Ferreira definiu, dessa
forma, a busca por parasitos em material arqueológico ou paleontológico.
Chamam-se
parasitos os organismos que encontram o seu nicho ecológico em outro
organismo, chamado hospedeiro (Araújo et al., 2003). Assim, consideram-se
parasitos desde fragmentos de material genético em genoma de células, até
animais vertebrados ou vegetais que se associam entre si em relações
metabólicas e genéticas, com maior ou menor dependência entre ambos. A
conotação de doença parasitária refere-se a sinais e sintomas que a
infecção pode ou não desencadear.
Os
primeiros estudos em paleoparasitologia deram-se no início do século XX,
quando Sir Marc Armand Ruffer descreveu ovos de parasitos em múmias usando
técnicas de reidratação dos tecidos mumificados para preparar cortes
histológicos, diagnosticando patologias em populações do Egito antigo (Ruffer,
1910). Entretanto, nos anos que se seguiram, o estudo de parasitos em
material arqueológico encontrou dificuldades para se firmar devido à falta
de técnicas adequadas para exame microscópico de coprólitos (fezes
mineralizadas ou preservadas pela dessecação), encontrados em corpos
mumificados ou em sedimentos, latrinas, fossas e poços.
Com a
introdução da técnica de reidratação de coprólitos em fosfato trissódico (Callen
& Cameron 1960), multiplicaram-se os achados de parasitos em material
arqueológico. A potencialidade dessa nova ciência foi compreendida pelas
equipes de arqueologia, que passaram a contribuir, cada vez mais, não só
fornecendo o material para análise, mas nas discussões e interpretação dos
resultados (Reinhard et al., 1988). Por exemplo, a paleoparasitologia
trouxe contribuições importantes para teorias de migrações humanas
pré-históricas, uma vez que se pode traçar caminhos percorridos por
populações do passado através do encontro de parasitos em remanescentes
arqueológicos. No Brasil, os estudos pioneiros na Fundação Oswaldo Cruz
refutaram a crença de que as doenças parasitárias não eram significantes
na pré-história do Novo Mundo pelo encontro de ovos de Trichuris trichiura
e de ancilostomídeos, datados de épocas pré-colombianas.
Ovo de Enterobius vermicularis (oxiúro) encontrado em coprólitos
humanos. Deserto de Atacama, Chile
Crédito: Lab. de Paleoparasitologia, ENSP, Fiocruz
Novas
técnicas surgiram, permitindo avanços de diagnóstico de doenças
infecciosas no passado. Um bom exemplo disso é o uso da biologia molecular
como ferramenta de diagnóstico de doenças parasitárias. Utilizando técnica
de PCR (reação em cadeia da polimerase) foi possível diagnosticar
tuberculose e doença de Chagas em múmias sul-americanas pré-colombianas. A
paleoparasitologia molecular não revela somente a presença de doenças em
épocas antigas. Estudos sobre a origem e dispersão das doenças
parasitárias e seus agentes etiológicos podem ser feitos a partir de dados
obtidos da recuperação de material genético de parasitos em material
humano. Tais dados poderão contribuir para os estudos sobre a origem de
hospedeiros, as relações entre estes e os parasitos, as migrações humanas
no passado, sua distribuição atual, a emergência e a reemergência de
doenças (Araújo e Ferreira 2000).
A
descoberta de grande quantidade de ovos de helmintos intestinais em
latrinas e fossas da Europa, num período que abarca desde a Idade Média
até o período industrial, sugere prevalências altas de parasitoses e,
conseqüentemente, deficiências sanitárias consideráveis. Este quadro
persiste por todo o período das grandes navegações, momento no qual esses
parasitos teriam sido re-introduzidos no continente americano mantendo
altas taxas de infecção nas novas cidades. Este quadro é sugerido, com
pouca base empírica, pelo conhecimento das precárias condições de higiene
e sistema sanitário da maioria das aglomerações urbanas que se formaram
nas colônias, embora existam raros dados sobre o encontro de parasitos em
material arqueológico do período histórico publicados para o Brasil (Confalonieri
et al. 1981).
A despeito
dos primeiros trabalhos em paleoparasitologia terem surgido na África,
pouco se conhece sobre infecções parasitárias no passado desse continente.
O conhecimento que há se limita ao antigo Egito e a regiões vizinhas, como
o Sudão (Harter et al. 2003, Gonçalves et al. 2003).
Nas
Américas, tem-se dedicado mais ao estudo de material pré-colombiano
mostrando-se que a grande maioria das infecções parasitárias intestinais
já se encontrava entre as populações nativas antes da chegada de europeus
e africanos. Entretanto, nas populações indígenas do passado, não se
observaram as altas freqüências encontradas na Europa. Os dados concordam
com as observações de Hugot et al. (1999), que mostraram que a explicação
pode estar nas condições de subsistência das populações indígenas, que se
dedicavam à caça e coleta de alimentos, em regime nômade, pois há nítido
aumento de freqüência entre povos sedentários, aglomerados nos "pueblos"
da América do Norte.
No
laboratório de paleoparasitologia da Escola Nacional de Saúde Pública (Fiocruz)
um grupo cada vez maior de pesquisadores vem realizando estudos com
materiais de diferentes procedências. Atualmente, estudam-se sedimentos
arqueológicos provenientes da Europa dos séculos I ao XIX. O encontro de
parasitos, associados a estudos realizados por arqueólogos, ajudam a
esclarecer o uso de certas construções (tipo fossas, poços), de onde os
sedimentos arqueológicos são retirados. O encontro de ovos de helmintos
que parasitam humanos pode identificar, por exemplo, quando se tratam de
latrinas (Fernandes et al. 2003). Pólens e esporos encontrados fornecem
dados quanto ao clima e vegetação que ocorriam na região.
Coprólito humano sendo escavado por Fabio Parenti,
Parque Nacional Serra da Capivara, PI.
Crédito: Adauto Araújo
Outro
estudo em andamento tenta diagnosticar parasitoses que não são comuns
atualmente. Assim, alguns parasitos encontrados em coprólitos humanos são
de difícil diagnóstico por se tratarem de infecções de animais, adquiridas
pelo indivíduo ao ingerir alimentos infectados. Em algumas circunstâncias
o diagnóstico é possível, como no caso em que se retiraram coprólitos do
que restou do tubo digestivo de um indivíduo, possivelmente do sexo
masculino, parcialmente mumificado por processo natural, datado entre 600
e 1200 anos AP. Não houve contaminação externa do material (do solo por
exemplo), garantindo assim, a confiabilidade dos resultados obtidos. Os
resultados preliminares mostraram que o indivíduo se encontrava infectado
por um helminto (verme) de origem animal, que causa uma zoonose, incomum
nas Américas e sem descrição anterior para habitantes pré-colombianos (Sianto
et al. 2003). Estudos de dieta também foram realizados e mostraram uma
variedade de alimentos consumidos, entre estes, proteína animal, raízes,
sementes e frutas.
Coprólito humano positivo para parasitos. Parque Nacional
Serra da Capivara, PI.
Crédto: Lab. de Paleoparasitologia, ENSP, Fiocruz
Estão
também em curso os estudos sobre a paleoepidemiologia da doença de Chagas,
que busca esclarecer a origem e evolução da infecção no continente
americano. Os primeiros resultados identificaram a infecção em corpos
mumificados da região andina e no deserto da América do Norte, com
datações pré-colombianas. São estudos que empregam técnicas da biologia
molecular, buscando identificar mudanças no genoma do parasito, e mesmo de
seu hospedeiro humano, que mostrem alterações na virulência e
patogenicidade do parasito ao longo do tempo. Buscam também identificar o
impacto que teve a doença de Chagas em grupos humanos no passado. Assim,
novamente, a cooperação entre arqueólogos e parasitólogos é fundamental na
interpretação de resultados, pois podem refletir mudanças de comportamento
de populações por influência de doenças parasitárias.
Urna com esqueleto. O sedimento da região pélvica,
próximo ao sacro, pode conter restos alimentares,
pólen e parasitos. Parque Nacional Serra da Capivara, PI.
Crédito: Fumdham
As
pesquisas do grupo recebem financiamento da Capes; CNPq e Papes-Fiocruz
Luciana
Sianto, Alexandre Fernandes , Rodrigo Luiz Lobo, Luiz Fernando Ferreira,
Marcelo Luiz Carvalho Gonçalves e Adauto Araújo são pesquisadores da
Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. Contato: adauto@ensp.fiocruz.br
Referências Bibliográficas:
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_ Fernandes A, Bouchet F, Gonçalves M, Klein CH, Iguchi T, Ferreira LF, Araújo A 2003. Infecções parasitárias na Europa Medieval (Séc. XVI). XVIII Congresso Brasileiro de Parasitologia - Livro de Resumos, Rio de Janeiro, p. 212.
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_ Ruffer MA 1910. Note on the presence of Bilharzia haematobia in Egyptian mummies of the Twetieth Dinasty (1250-1000 BC). Brit Medd J 1: 16.
_ Sianto L, Araújo A, Chame M, Prous A 2003. Parasitos encontrados em corpo mumificado - sítio arqueológico da Lapa do Boquete, MG, Brasil. XVIII Congresso Brasileiro de Parasitologia - Livro de Resumos, Rio de Janeiro, p. 214.
Fonte: http://www.comciencia.br
FONTE: Portal Ache Tudo e Região
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