Segredo marciano
A NOTÍCIA DE CIÊNCIA que vai ganhar destaque em capas de revistas e
jornais no início de dezembro virá de Marte. Nenhum jornalista sabe
ainda exatamente o que é, mas a Nasa já começou a atiçar a imprensa,
dizendo que uma descoberta a ser anunciada no congresso da União
Geofísica Americana será de alto impacto. Algum palpite?
É claro que, quando se fala em Marte, a notícia que todos esperam
ouvir é a constatação de que o planeta abriga vida. Talvez não seja a
hora ainda, porém. Aquilo que a maioria dos cientistas espera ver é o
anúncio de que moléculas orgânicas (baseadas em estrutura de carbono)
existem em solo marciano. Isso não significa que o planeta esteja
radiante de vida microbiana, mas, dependendo do composto orgânico
encontrado, pode ser um sinal de que o planeta já teve as condições
químicas para abrigar vida.
É algo incrível o suficiente para abalar a imprensa mundial? Bom, em entrevista
à rádio americana NPR, John Grotzinger, cientista chefe da missão que
conduz o jipe-robô Curiosity em Marte, prometeu que o anúncio a ser
feito na semana que vem deverá “entrar nos livros de história”. Resta
saber se os historiadores vão se entusiasmar também.
A descoberta só não foi revelada ainda porque os pesquisadores ainda
estão conferindo os dados mais vezes para se certificarem de que não
estão errados. E a Nasa tem bons motivos para não se precipitar.
Em 1996, David McKay, cientista do Centro Espacial Johnson da Nasa, relataram num estudo
ter encontrado estruturas semelhantes a fósseis de micróbios numa rocha
marciana encontrada na Antártida, o meteorito Allan Hills 84001. O
pedaço de pedra, que veio parar na Terra após uma colisão de um
asteroide com Marte, foi tema até mesmo de um anúncio público do
presidente Bill Clinton, que chegou a nomear uma comissão para
replanejar o programa espacial americano em vista da descoberta.
Alguns meses depois, porém, as evidências dos “fósseis” marcianos já
estavam sendo contestadas por diversos estudos. Os autores ainda
defendem a descoberta, mas a controvérsia sobre se a alegação foi
exagerada ainda persiste. Em um dos estudos
mais recentes sobre o meteorito, Andrew Steele, da Instituição Carnegie
de Washington, mostra como as microestruturas achadas no meteorito
podem surgir perfeitamente em processos minerais que não envolvem seres
vivos. Se Allan Hills 84001 entrou para os livros de história em 1996,
provavelmente a esta altura já saiu de muitos deles.
Por fim, Antes de Grotzinger revelar o que o Curiosity coletou agora,
só resta especular. Seriam bases nitrogenadas (componentes do DNA),
aminoácidos (componentes de proteínas) ou cadeias longas de átomos de
carbono? Ninguém sabe ainda. Em uma das amostras analisadas pelo
jipe-robô, cientistas já haviam visto sinais de metano, a mais simples
molécula orgânica, mas voltaram atrás antes de anunciar a descoberta. Se
o achado de agora for mesmo algum composto orgânico, qual a
probabilidade de que tenha ligação com alguma forma de vida?
Qualquer que seja a resposta, me arrisco a dizer que desta vez os
historiadores (e o presidente dos Estados Unidos) serão mais cautelosos
na interpretação. Tentativas da Nasa de escrever a história por
antecipação não deram certo, ainda.
FONTE: Folha.com/Ciência
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