29/11/2011
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12h44
Ciência investiga 'Googles humanos', pessoas que nunca esquecem
DA BBC BRASIL
O americano Robert Petrella tem uma memória fora do comum: ele é capaz
de memorizar todos os números de telefone armazenados em telefones
celulares e, ao olhar uma única fotografia de um lance de um jogo do seu
time de coração, o Pittsburgh Steelers, é capaz de dizer a data da
partida e a pontuação final.
Petrella tem uma síndrome raríssima, chamada Memória Autobiográfica
Altamente Superior (HSAM, na sigla em inglês), na qual o paciente não se
esquece de quase nada do que aconteceu com ele na vida.
Quem tem essa condição é capaz de se lembrar o que comeu no almoço hoje
ou três anos atrás ou de recordar com detalhes as notícias que leu no
jornal há décadas.
BBC | ||
"Provavelmente há pessoas com essa síndrome há séculos", diz James McGaugh, especialista em memória |
Mesmo se quiserem, essas pessoas não podem apagar memórias como o fim de um namoro ou as lembranças de um acidente.
"Eu notei isso durante o ensino secundário, me dava conta que nem todos
recordavam o que eu conseguia lembrar, e pensava que era algo incomum,
como ser canhoto ou algo assim. Mais tarde, notei que isso tinha outra
dimensão. Sempre tive facilidade nos exames, pois lembrava de tudo sem
ter feito revisão dos tópicos", disse Petrella à BBC.
Para o americano, a síndrome acaba sendo bastante útil em sua profissão,
já que ele é produtor de documentários para o "History Channel" e o
"Discovery Channel".
"Às vezes, me recordo de algo que alguém disse há 30 anos, coisas que as
outras pessoas não lembrariam, porque foram ditas no momento, e isso
pode tornar as relações raras", diz Petrella.
"Mas não tenho problemas em viver no passado. As recordações estão na
minha cabeça e são parte de mim, mas não me impedem de viver o hoje e
olhar para o futuro."
PROGRAMA DE TV
A HSAM é tão difícil de ser identificada que até então apenas 20 pessoas
no mundo --todas nos Estados Unidos-- haviam sido diagnosticadas com
ela.
Mas um programa sobre a síndrome exibido pela rede de TV americana CBS, e
visto por pelo menos 24 milhões de pessoas, ampliou o conhecimento
sobre a HSAM.
Desses telespectadores, 500 entraram em contato com os pesquisadores por
acreditarem que tinham HSAM. Mas apenas dez foram confirmadas com a
síndrome.
Há apenas cinco anos essa condição começou a ser chamada de Memória
Autobiográfica Altamente Superior, quando o especialista em memória
James McGaugh publicou um artigo sobre seu estudo de seis anos de uma
paciente com os sintomas.
O quadro já foi retratado na ficção, como no conto "Funes, o Memorioso",
do argentino Jorge Luis Borges, e na série de TV "Unforgettable"
("Inesquecível", em inglês), que acaba de estrear nos Estados Unidos.
"Provavelmente há pessoas com essa síndrome há séculos, mas suas bases
nunca haviam sido investigadas cientificamente. É um quadro muito raro",
afirmou McGaugh à BBC.
Para reconhecer a HSAM, os cientistas fazem testes médicos e avaliam os
potenciais candidatos com um questionário de acontecimentos públicos
ocorridos nos últimos 20 anos. Fatos que vão desde eleições a
competições, passando pela a entrega de prêmios e até acidentes aéreos.
Uma pessoa com a Memória Autobiográfica Altamente Superior seria capaz
de dizer a data precisa e o dia da semana em que os eventos ocorreram,
além de outros detalhes.
Os que obtêm mais de 55% no teste são então interrogados sobre experiências mais pessoais.
'GOOGLE HUMANO'
"A família nos dá fotos ou diários para que a gente tenha dados precisos
e assim provar as informações das quais eles dizem se lembrar. É muito,
muito difícil que um indivíduo que registre [dados como esse] além de
um certo tempo, como um nível de detalhes tão específico", afirmou
McGaugh.
Por isso, eles foram apelidados de "Googles humanos".
É o caso de Brad Williams, 55, que vive em Wisconsin. "Me dei conta [da
síndrome] participando de concursos de perguntas em bares. Sou fanático
por esses concursos e sempre fui melhor e mais rápido do que o restante
das pessoas", disse Williams.
"Isso também acontece em episódios familiares: eu sempre consigo lembrar de datas específicas e detalhes de tudo."
Williams diz que ser ter HSAM lhe traz algumas vantagens específicas em
seu trabalho como jornalista. "O que eu de fato preciso armazenar ou
buscar na internet é um volume bem menor de informações do que o que já
está na minha cabeça."
No entanto, nem todos os que possuem esse tipo de memória festejam sua condição.
É o caso de Jill Price, a paciente que procurou especialistas por não
poder mais suportar seu constante exercício de se lembrar de tudo. Foi o
caso dela que serviu de gatilho para os estudos.
"É incessante, incontrolável e imensamente cansativo. As lembranças vêm,
simplesmente chegam na minha mente. Não posso controlá-las", escreveu
Price em sua autobiografia "The Woman who Can't Forget ("A Mulher que
não Consegue Esquecer", em tradução livre do inglês).
Em seu caso, a HSAM acabou complicando suas relações com as pessoas.
Entre os pacientes de McGaugh não há nenhum casado ou com relações
estáveis.
No entanto, o especialista afirma que casos de insatisfação como os de Price são a minoria.
"A maioria acredita que é um dom. Se questionados se prefeririam não ter a síndrome, eles dizem que não mudariam isso por nada."
BUSCA NO CÉREBRO
Entre esses pacientes, está a atriz Marilu Henner, conhecida pela série
de TV "Táxi", do fim dos anos 1970. Para ela, visualizar a vida em forma
de um calendário tornou mais fácil a tarefa de atuar.
A atriz agora dá palestras motivacionais e escreveu um livro para ajudar outras pessoas a ativar sua memória autobiográfica.
"Não tenho problemas em viver com o passado: as lembranças estão na
minha cabeça e são parte de mim. Não me impedem de viver o hoje ou olhar
para o futuro."
O neurobiólogo McGaugh considera, no entanto, que a HSAM é uma condição
preexistente, que se mantém ao longo do tempo e que ainda carece de
explicações neurológicas.
Por ora, a recomendação aos portadores da síndrome é que não encarem sua
condição como um grande peso e que não se exponham a circunstâncias
traumáticas. Não são bons candidatos, por exemplo, para se alistarem no
Exército ou seguir para a guerra.
FONTE: Folha.com/BBC Brasil
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