Equipe Planeta
Em tempos de aquecimento global e suas conseqüências - elevação do nível do mar, secas acentuadas de um lado, chuvas torrenciais de outro, furacões e tornados devastadores -, além de terremotos, erupções vulcânicas e alguns insanos ansiosos para apertar um gatilho nuclear, nada mais normal que as velhas profecias apocalípticas estejam de volta. Será o fim da humanidade? O fim do planeta? É difícil responder à primeira pergunta. Mas a segunda, com certeza, tem resposta - e ela é negativa.
...A sobrevivência
Após 200 anos sem humanos, as ruas de
grandes metrópoles como a da página ao lado seriam totalmente
recobertas pelas folhas de suas árvores, enquanto a grama seca de suas
encostas e parques - à essa altura já bastante crescida - incendiaria
todo o município, caso fosse atingida por um relâmpago. Como as usinas
nucleares também estariam abandonadas, os cientistas não sabem precisar
quanto tempo os animais e a vegetação do planeta sobreviveriam ao
vazamento de materiais tóxicos.
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Ninguém pode desprezar a incrível força regeneradora da
natureza. Quem já viu um recife artificial se formar a partir dos restos
de um navio afundado conhece bem esse poder. Se ervas brotam até mesmo
em uma fresta no asfalto, por que deixariam intocadas as construções
humanas? As espetaculares construções de Palenque e Angkor Wat, por
exemplo, foram encontradas em meio a densas florestas.
E se a raça humana subitamente desaparecesse da Terra? Pelas
projeções desenvolvidas por cientistas, o mundo continuaria repleto de
vida, com uma vantagem adicional - seu mais problemático ocupante já não
estaria por aqui brincando de deus incompetente.
Para começar, não haveria mais as emissões industriais (e de
queimadas propositais) de dióxido de carbono. Ainda abundante na
atmosfera, esse gás levaria cerca de 200 anos para se dissipar. A camada
de ozônio se recuperaria, reduzindo bastante os efeitos nocivos dos
raios ultravioleta.
Eventuais vazamentos de metais pesados e toxinas chegariam à
natureza, e alguns deles poderiam exigir todo um milênio para se
decompor. Enquanto isso, as represas e barragens ficariam assoreadas e
transbordariam, permitindo que os rios voltassem a levar nutrientes para
o mar, reduto da maior parte dos seres vivos. Seria, grosso modo, um
retorno aos velhos tempos - e a Terra estaria pronta para outra etapa de
sua vida.
Imaginar
a superfície terrestre sem homens não é pura ficção. Alguns redutos
isolados nos dão esse privilégio hoje. Um deles é a Zona Desmilitarizada
entre as duas Coréias. Antes da guerra que devastou a península coreana
no início da década de 1950, esse território de cerca de 250
quilômetros de comprimento por quatro quilômetros de largura era ocupado
há milênios por agricultores de arroz.
Delimitada após o fim do conflito, em 1953, a área já mal
apresenta vestígios dos arrozais. Entre os trechos pantanosos em que se
transformaram muitas plantações, despontam bandos de grous de cabeça
vermelha, uma das espécies mais raras do planeta. Essas aves tocam o
solo tão suavemente que nem ativam as inúmeras minas ali enterradas.
Um
sumiço dos humanos ali não significaria uma imediata vitória da
natureza. Antes disso, as represas que desviam rios para ajudar no
abastecimento de água da região metropolitana de Seul (a capital
sul-coreana) teriam de entrar em colapso. Nesse intervalo entre 100 e
200 anos, porém, muita coisa aconteceria, imagina o biólogo Edward
Wilson, da Universidade Harvard (EUA).
De acordo com o biólogo, ursos negros asiáticos, lontras,
almiscareiros e leopardos de Amur voltariam a percorrer aquelas terras,
então repletas de carvalhos e cerejeiras. Os tigres siberianos,
atualmente restritos à fronteira entre a China e a Coréia do Norte,
também se espalhariam pela área. "Poucas espécies de animais
domesticados sobreviveriam depois de uns 200 anos", avalia Wilson.
Outro relance da ausência humana no mundo é a Floresta Bialowieza,
entre a Polônia e a Belarus (a antiga Bielo-Rússia) - um resto da
vastidão verde que já recobriu a Europa desde os Montes Urais, a leste,
até o Canal da Mancha.
Seus pouco mais de 200 mil hectares contêm carvalhos de meio
milênio e freixos e tílias de mais de 40 metros de altura, em meio a
arbustos, samambaias, trepadeiras e fungos. Uivos de lobos e pios de
corujas e de pica-paus são ouvidos em meio à densa vegetação. Ficar
tanto tempo intacta é uma proeza notável neste planeta, mas a Floresta
Bialowieza parece predestinada a isso. Ainda no século 14, um duque
lituano declarou- a área de caça exclusiva para a família real. Quando
os russos a tomaram, ela foi doada aos czares.
Os alemães usaram a floresta para retirar madeira (e massacrar
inimigos) durante a Primeira Guerra Mundial, mas um núcleo permaneceu
intocado e foi transformado em parque nacional polonês em 1921. Os
soviéticos recomeçaram a retirar madeira, mas, com a chegada dos
nazistas, o marechal Hermann Goering, ambientalista fanático, protegeu a
área de novo. Depois da Segunda Guerra Mundial, um embriagado Josef
Stálin teria aceito, em Varsóvia, conceder à Polônia 40% da floresta.
Destruição por água e plantas
O que aconteceria com o habitat preferido dos humanos - as
grandes cidades - se eles sumissem? O modelo escolhido foi nada menos do
que Nova York (EUA), a capital do mundo. Segundo Jameel Ahmad, diretor
do departamento de engenharia civil da Cooper Union College, os
repetidos congelamentos e descongelamentos comuns em meses como março e
novembro rachariam o cimento em cerca de dez anos, permitindo a
infiltração da água.
O tempo faria essas fendas se alargarem, favorecendo a irrupção
de ervas. E, sem ninguém para controlar as árvores, raízes de ailanto
(uma espécie que os nova-iorquinos trouxeram da China) invadiriam as
calçadas e rachariam a rede de esgoto em apenas cinco anos, afirma
Dennis Stevenson, curador do Jardim Botânico da cidade.
Animais cuja sobrevivência depende do homem desapareceriam em dez
anos. As baratas, por exemplo, não resistiriam ao frio dos edifícios
sem calefação, e os ratos, cujo alimento vem do lixo, virariam refeição
para os falcões e os gaviões. Vegetais hoje comestíveis, como a cenoura,
o brócolis, a couve-flor e o repolho, voltariam a suas irreconhecíveis
formas originais.
...Os desaparecidos
Gatos e outros animais domésticos, cuja sobrevivência dependem do homem, voltariam à vida selvagem. |
As fendas no solo ampliariam muito um dos problemas já existentes
na cidade de Nova York: a elevação do nível de água subterrânea. Assim
como em São Paulo e outras metrópoles do mundo, o oceano de concreto e
asfalto não deixa muito espaço para absorver essa água. Sem energia
elétrica, as bombas de sucção que impedem inundações no metrô não
funcionariam. Em conseqüência, as águas inundariam o solo sob o
pavimento, o que originaria crateras nas ruas.
Não é só isso. Se os esgotos fossem destruídos, antigos cursos de
água reapareceriam e novos surgiriam, afirma Eric Sanderson, membro da
Bronx Zoo Wildlife Conservation Society. Com isso, em duas décadas as
colunas de aço que sustentam a rua acima dos túneis de metrô do East
Side ficariam encharcadas, sofreriam corrosão e deformariam.
Steven
Clemants, vice-presidente do Jardim Botânico do Brooklyn, também dá
suas pinceladas no quadro. "Após 200 anos sem humanos" - observa ele -,
"toneladas de folhas de carvalhos e de plátanos recobririam as ruas da
cidade. Qualquer relâmpago que caísse sobre a grama seca do Central Park
- já na altura do joelho - poderia espalhar fogo por todo o município."
Como as pontes da cidade resistiriam por uns 300 anos, em duas
décadas, Nova York receberia grandes contingentes de coiotes, seguidos
por veados, ursos e lobos. Nos cursos d'água, sapos, arenques e
mexilhões marcariam presença.
Ainda não se sabe ao certo quanto tempo os animais e vegetais
resistiriam a materiais tóxicos. Sem ninguém para cuidar de lugares como
a usina nuclear de Indian Point, cerca de 50 quilômetros ao norte de
Times Square, imagina-se que a radioatividade vazaria após 50 anos e
contaminaria o Rio Hudson por pelo menos dez milênios. Enquanto isso, os
prédios erigidos com pedras - as construções mais resistentes -
estariam ficando em ruínas.
...As perspectivas
Segundo as projeções dos cientistas, se a espécie humana sumisse do planeta, o cimento das construções racharia em cerca de dez anos, permitindo a infiltração da água. Suas fendas, com o decorrer do tempo, tornariam-se solo fértil para o nascimento de ervas. |
O toque final estaria por conta de uma glaciação, que, como as
outras três que atingiram Nova York, varreriam os resíduos da cidade.
Quando o gelo recuasse, haveria uma concentração incomum de metais
avermelhados, restos de fiação e encanamentos. O futuro dominador das
terras poderia explorar essas reservas, mas não teria idéia de como elas
surgiram ali. Pena: se soubesse, provavelmente não repetiria a
trajetória catastrófica daqueles antigos humanos.
O último reduto da vida selvagem
Para vários cientistas, a responsabilidade humana vai muito além
dos males derivados da Revolução Industrial. "Quando o homem deixou a
África e a Ásia e chegou a outras partes do mundo, foi o caos", acusa o
paleoecologista Paul Martin, da Universidade do Arizona, nos Estados
Unidos.
Para ele, a humanidade está por trás do grosso das extinções em
massa de seu período, porque elas começaram em todos os lugares com a
chegada de nossos antepassados: na Austrália, há 60 mil anos; nas
Américas, há uns 15 mil anos; no Caribe, há seis mil anos; e, em
Madagascar, há dois mil anos.
Só os oceanos continuam relativamente a salvo da capacidade de
destruição humana, simplesmente porque o homem pré-histórico não era
capaz de caçar grandes animais marinhos. Até a época de Colombo, por
exemplo, pelo menos 12 espécies oceânicas eram maiores do que a maior
nau de sua frota, garante o paleoecologista marinho Jeremy Jackson, do
Smithsonian Tropical Research Institute, no Panamá.
Mesmo que o atual estrago nos oceanos seja significativo - haja
vista a agonia dos recifes de coral e o quase colapso enfrentado pela
indústria da pesca do bacalhau -, a situação não é tão dramática quanto a
da terra firme, afirma Jackson: "A grande maioria das espécies marinhas
está profundamente exaurida, mas ainda existe. Se as pessoas realmente
fossem embora, a maioria delas se recuperaria."
FONTE: Revista Planeta
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