sábado, 10 de dezembro de 2011

O EMBAIXADOR DO XINGU ( "O embaixador do Xingu Os 50 anos do Parque Nacional Indígena do Xingu, completados em 2011, lançaram nova luz no território habitado por mais de 5 mil índios de 16 etnias alinhadas pelas águas do rio homônimo, a cada dia mais pressionado pelo avanço da agricultura no norte do Mato Grosso" ) "Entrevista com o cacique ARITANA ...na íntegra"

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Gregg Newton

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O embaixador do Xingu

Os 50 anos do Parque Nacional Indígena do Xingu, completados em 2011, lançaram nova luz no território habitado por mais de 5 mil índios de 16 etnias alinhadas pelas águas do rio homônimo, a cada dia mais pressionado pelo avanço da agricultura no norte do Mato Grosso


Sandra Wellington
National Geographic Brasil - 11/2011
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O cacique Aritana, de supostos 56 anos, chefe dos iaualapitis e presidente do Conselho da Liderança do Xingu, fala os principais grupos linguísticos do alto Xingu - aruak, tupi e karib - e o português, que aprendeu com os irmãos Villas Bôas, mentores da demarcação da reserva nos anos 1960. Chefe de linhagem, Aritana teve formação rigorosa para atingir o ideal da cultura xinguana: é calmo, generoso e diplomata que procura o diálogo. Hoje, pouco sai de sua aldeia, à beira do rio Tuatuari. Para ele, conciliar as demandas da vida moderna com as tradições é um dos desafios do parque no século 21. "Temos de habitar os dois mundos", diz.

Quais são suas lembranças dos irmãos Villas Bôas? Orlando e Cláudio ficaram mais tempo no Xingu. Foram 40 anos. Também conheci Álvaro, que trabalhou no parque e depois em São Paulo, no escritório da Funai [Fundação Nacional do Índio]. Orlando me conheceu bebê; eu o considerava um avô. Ele ficava no alto Xingu enquanto Cláudio se baseava no baixo Xingu, entre os povos caiabi, suiá e juruna. Cláudio era um homem calmo. Quando estava pacificando tribos não contatadas, por exemplo, usava apenas um revólver na cintura para, em caso de perigo, atirar para o ar. Jamais para atingir os índios.

Já Orlando sempre conversava muito comigo, me orientava. Nenhum índio, afinal, sabia como eram os costumes dos caraíbas [não indígenas]. Uma vez, um padre veio ao Xingu e a gente não entendeu o que ele queria. Ele conversou muito com meu pai. Falou de nossos costumes, nossa cultura, e por que queria mudar isso, nos dando roupas e nos ensinando a rezar. Como meu pai não entendeu bem a conversa, resolveu chamar Orlando, que avisou ao padre que ele não podia fazer isso e o mandou embora.

Os dois sertanistas sempre falaram coisas certas para os índios. Eles tinham visão do futuro. Os dois faziam reuniões com todos os chefes e falavam da demarcação, da necessidade de tomar conta de nossas terras. Memorizei bem essas mensagens. Para eles, os caraíbas ainda estavam longe, mas um dia ficariam bem perto de nós. Cinquenta anos depois, esse dia chegou.

O que significa para os índios os 50 anos do parque do Xingu?

Nossa memória diz que vivemos nessas terras desde o tempo da criação do mundo. Acreditamos nisso. Mas não existe mais aquela vastidão por onde antes andávamos com plena liberdade. Para o bem e para o mal, o parque nos trouxe um limite. As aldeias cresceram, dividiram-se e já estão encostadas no limiar da reserva. Ainda assim, valorizamos a demarcação, mesmo que comemorações nesse tipo de data não façam parte de nossa tradição. Hoje, é preciso dizer que as fronteiras do parque não garantem mais a nossa segurança, e temos sido ameaçados pela expansão do agronegócio e pelas tentativas de invasão dos madeireiros, posseiros e garimpeiros. Em alguns lugares, fazendeiros já arrancaram estacas demarcatórias da Funai, mudando-as de lugar para beneficiar seus empreendimentos. Fica o aviso: desde sempre, toda a liderança do Xingu está unida para lutar contra qualquer ameaça e, se for necessário, morrer por nossas terras.

Quais as diferenças mais marcantes na vida de vocês antes e depois da chegada dos brancos? Nossa vida era bem mais tranquila antes. Naquela época, nosso pensamento era outro, e a maior preocupação era a de sustentar as famílias, cultivando as roças, plantando mandioca, pescando. Não dependíamos dos outros. Assim fomos orientados pelos nossos pais e avós. Agora, tudo mudou, e, em vez de falar no sustento de nossas famílias, falamos em projetos. A Funai, que era muito forte na época dos Villas Bôas, hoje quase não ajuda mais. Temos de resolver nossos próprios problemas, e por isso fundamos várias ONGs. Muitos lugares que consideramos sagrados ficaram fora da reserva, e o Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] está nos ajudando a tombar alguns desses locais. Entre eles, o Avaskuru, ou Sagihena, palco da primeira festa do kuarup [em homenagem aos mortos], e o Kamukuaka, local da primeira cerimônia da furação da orelha. Ambas as áreas foram quase destruídas pela ocupação de fazendeiros e pela construção da barragem Paranatinga II.

Como a construção de barragens e a implantação de grandes fazendas afetam a vida no Xingu? As barragens de pequeno e grande porte deixam os rios mais rasos e vulneráveis à contaminação por agrotóxicos, esgoto e lixo. Antes, podíamos beber direto dos rios; hoje, as aldeias são obrigadas a furar poços artesianos para obter água potável. 
Com o desmatamento ao redor, animais como as onças começaram a fugir para dentro do parque, enquanto várias espécies nativas de pássaros estão desaparecendo. A população de tartarugas também está diminuindo; para tentar recuperar sua população, cinco praias foram isoladas, e ninguém mais pode coletar ovos dali. Além disso, as pessoas nas aldeias Matipu, Kalapalo e Nafuquá já escutam o barulho forte dos tratores e máquinas usados pelos fazendeiros. É um som que nos deixa muito assustados.

Quais são suas maiores preocupações no momento? Sempre estamos indo a reuniões em Brasília, Cuiabá e nos municípios ao redor para tentar resolver questões, sobretudo, na área de saúde, que está piorando por causa do contato mais intenso com os brancos. Nosso objetivo é equipar os postos dentro do parque para evitar a saída do pessoal para procurar atendimento básico. Já temos equipes de saúde na reserva, e isso vai ajudar a melhorar as condições de trabalho.

Como é a relação dos índios com as organizações que tentam trazer melhorias ao parque? Em geral, os representantes de grupos que visitam o Xingu já chegam com projetos prontos na mão, sem conversar antes conosco, saber de nossas ideias. Não é isso o que queremos, porque apenas nós sabemos de nossas necessidades. Ou seja, precisamos de parceiros para elaborar e administrar nossos próprios projetos. Mas, é claro, há bons exemplos, muitos vindos de embaixadas estrangeiras. Os ingleses foram os primeiros, doando rádios movidos à energia solar 20 anos atrás. Há pouco tempo, a Austrália doou um equipamento odontológico portátil para ampliar o atendimento nas aldeias. Entre as empresas, a Mercedes-Benz ofereceu cursos de mecânica aos nossos jovens e várias companhias farmacêuticas forneceram remédios essenciais aos postos de saúde. É desse tipo de ajuda prática que precisamos.

Você é otimista com relação à situação de seu povo no futuro? A sobrevivência de nossa cultura depende de nós. Os jovens frequentam escolas dentro do parque, onde aprendem também as coisas da vida do lado de fora. Não os queremos estudando na cidade, em que é fácil tomar contato com situações de perigo - a bebida, por exemplo. O ideal é conciliar os dois mundos. Alguns foram treinados para filmar as festas nas aldeias. Pela primeira vez, estamos documentando nossa própria história.

Os jovens ainda praticam os esportes tradicionais? Sim, ainda valorizamos muito a huka-huka. Todos os mais novos treinam essa luta. Dois de meus sobrinhos são muito bons. Os iaualapitis sempre foram conhecidos como praticantes de huka-huka, e ainda hoje somos os primeiros a ser chamados para lutar nas grandes festas intertribais. Meu pai e meu tio Sariruá se esforçaram para não deixar o costume acabar. Nesse sentido, confiaram muito em mim. Fui campeão e lutei até os 40 anos. Os jovens estão no mesmo caminho. É um momento em que valorizam suas origens. Eles estão se esquecendo de usar arco e flechas para pescar [utilizam mais arpão e linha e anzol], mas, nas festas, deixam de vestir shorts e se enfeitam como antigamente.

Você sente falta dessa vida? Na minha juventude, era costume os jovens rapazes se banharem no rio de madrugada. Bater na água e assobiar era uma experiência que nos deixava felizes, e o barulho acordava o povo que ainda dormia na aldeia. Tenho saudade desse som alegre da manhã. Depois, seguíamos para as roças. Hoje, os meninos têm de dividir seu tempo entre a lavoura, o horário da escola e os treinos para a huka-huka. Também sinto falta das conversas em frente à casa dos homens, no centro da aldeia. Meu pai chamava todo mundo e nos pintávamos com urucum. Parecia que era para uma festa, mas era apenas um hábito do dia a dia. Na época, viajávamos até outras aldeias a pé ou de canoa, remando. Agora, vamos de barco a motor, de trator ou de carro. No kuarup atual, precisamos de muita gasolina. Temos de levar os três pareats [emissários de convite] às aldeias, muitas bem distantes. E, no fim da festa, todo mundo precisa de combustível para voltar para casa.

Qual é seu maior sonho, hoje? Meu sonho é viabilizar projetos práticos: melhorar a saúde, proteger a área do parque e criar peixes em tanques, porque estamos muito preocupados com a diminuição deles nos rios. E, sempre, orientar os jovens a valorizar e preservar os nossos costumes. É isso o que nos ensinaram os irmãos Villas Bôas. E é isso o que nos define como um povo.

FONTE: Revista Planeta Sustentável

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