14/10/2011
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12h03
Arqueólogos acham mais antigo ateliê do mundo na África do Sul
RICARDO BONALUME NETO
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
O mais antigo ateliê de pintura da Terra foi achado em uma caverna
sul-africana. Os pintores de 100 mil anos atrás eram fãs de uma tinta
ocre, com tons que variam entre vermelho, marrom e amarelo, armazenada
em "paletas" feitas de conchas marinhas.
Os artistas primitivos usavam pigmentos de origem mineral e davam
predileção a cores que, segundo as especulações dos pesquisadores,
lembravam a vida cotidiana, seja pelo sangue das caçadas, seja pela
fertilidade, ligada à menstruação no imaginário dos povos antigos.
CAVERNA SUL-AFRICA TRAZ ACHADOS PRÉ-HISTÓRICOS:
Se em muitos outros sítios arqueológicos foi possível achar claros
indícios da evolução anatômica do homem moderno, cujo nome científico é
Homo sapiens, é bem mais raro ter pistas preservadas do seu
"comportamento", lembra Christopher Henshilwood, coordenador dos
trabalhos na caverna sul-africana de Blombos.
A gruta é uma espécie de feudo do pesquisador. Faz quase uma década que o
cientista tem trazido revelações de lá. Em 2002, a equipe de
Henshilwood descreveu ter achado ali duas "obras de arte"
pré-históricas: pedacinhos de argila ocre entalhados com riscos
variados.
Magnus Haaland/Associated Press | ||
Vista do mar a partir do interior da caverna de Blombos |
PARA O PESCOÇO
Pouco depois, os pesquisadores encontraram aquelas que, até então, eram
as "joias" mais antigas do mundo: pequeninos colares de conchas datados
de 75 mil anos atrás, clara indicação de que os ancestrais humanos já
pensavam e se comportavam como pessoas. As joias foram descritas em
artigo em 2004, também na "Science".
Dois anos depois, artefatos semelhantes foram revelados, com 100 mil anos de idade, desta vez achados em Israel e na Argélia.
Somados, esses achados são excelentes pistas da evolução da mente
humana, da sua capacidade de pensar e planejar a longo prazo. O curioso é
que mesmo os mais antigos exemplos inequívocos de pensamento simbólico
ou artístico aparecem bem depois da origem física da nossa espécie.
Do ponto de vista da anatomia, o Homo sapiens já estava "pronto" há uns
200 mil anos, mas o comportamento moderno demorou dezenas de milhares de
anos para finalmente aparecer. O motivo disso é desconhecido e ainda
deve gerar muito debate. No caso de Blombos, os achados mostram um
rudimentar conhecimento de "química": as conchas marinhas achadas na
caverna sul-africana continham uma mescla de pigmentos ocres com osso e
carvão triturados, misturados com água ou urina, criando uma "tinta"
arcaica que podia ser aplicada com uma espátula de osso (também achada
no local).
As duas conchas estarão em exibição a partir de hoje no Museu Iziko, localizado na Cidade do Cabo.
SEM FASE AZUL
Teriam entendido plenamente o "período rosa" de pinturas do espanhol
Pablo Picasso (1881-1973), que durou de 1904 a 1906; não entenderiam,
nem teriam como imitar, a "fase azul" anterior, por falta de pigmentos
-ou talvez de interesse. Os pesquisadores associam a descoberta do
antigo ateliê à própria evolução do pensamento humano.
Pintamos, logo pensamos. O ocre está disponível em óxidos de ferro, no
solo, e pode servir tanto para pinturas murais quanto corporais. A
"tinta" seria até um primitivo protetor solar para a pele.
"A capacidade conceitual de amostrar, combinar e armazenar substâncias
que aperfeiçoam a tecnologia ou as práticas sociais representa um marco
na evolução da cognição humana complexa", escreveram os pesquisadores na
edição de hoje da revista americana "Science". A equipe, liderada por
Christopher Henshilwood (professor da Universidade de Bergen, Noruega, e
da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul) encontrou o
"ateliê" na caverna de Blombos, 300 km a leste da Cidade do Cabo.
Francesco d'Errico, da Universidade de Bordeaux, na França, coordenou a
datação do material encontrado por lá.
O ocre, as ferramentas de pedra para sua produção e as conchas foram
achados já em 2008, mas desde então a equipe trabalhou para se
certificar das datas.
A análise do interior das conchas, onde a "tinta" ocre era misturada,
revelou traços do que poderia ser a ação de dedos humanos durante o
processo de preparar o produto para o uso.
Os pesquisadores identificaram dois "kits de ferramentas" usados para a
produção da tinta. Pela ausência de outros tipos de detritos comuns em
cavernas habitadas por seres humanos nessa camada, como restos de
animais, eles especulam que um grupo de pessoas esteve ali "por um dia
ou dois, no máximo", diz Henshilwood.
A caverna, cuja habitação começou há 140 mil anos, tem se revelado um
grande tesouro de achados ligados à evolução cultural humana.
FONTE: Folha.com/Ciência
Editoria de Arte/Folhapress | ||
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