Humano evoluiu impulsionado por desenvolvimento social e armas
DO "NEW YORK TIMES"
Cada vez que algum atributo do homem é considerado exclusivo --seja a
fabricação de ferramentas, a linguagem ou as guerras --, cientistas
tratam de descobrir um possível precursor entre os animais que torna a
habilidade humana menos distinta.
Ainda que muito diferente de outros animais, uma cascata de eventos
causados pela seleção natural e outros por simples acidentes impulsionou
a linhagem humana muito além do destino de ser apenas mais um macaco.
O motor principal que colocou essa movimentada cascata em movimento
talvez seja a invenção das armas --evento que permitiu a nossos
ancestrais escapar da brutal tirania do macho alfa dominante nas
sociedades símias.
Além das armas, biólogos não hesitam em vincular o sucesso dos humanos à
sociabilidade --a capacidade de cooperar, de fazer indivíduos
subordinarem seu interesse pessoal às necessidades do grupo.
"Os humanos não são especiais devido ao tamanho de seu cérebro", diz Kim
Hill, antropóloga social da Universidade do Estado do Arizona (EUA).
"Não é por isso que conseguimos construir foguetes espaciais. Nenhuma
pessoa consegue. Temos foguetes porque dez mil indivíduos cooperam para
produzir a informação."
Os dois principais traços que sustentam o sucesso evolutivo humano, na
visão de Hill, são a incomum capacidade de cooperação entre pessoas sem
laços familiares (em quase todas as outras espécies, apenas indivíduos
de íntimo parentesco ajudam uns aos outros) e o aprendizado social (a
habilidade de copiar e aprender a partir do que os outros estão
fazendo).
Explica-se: uma rede social grande pode gerar conhecimento e adotar
inovações com muito mais facilidade do que uma aglomeração de pequenos
grupos hostis, constantemente em guerra entre si --o estado padrão da
sociedade dos chimpanzés.
SOCIEDADES
A resposta sobre como os humanos se tornaram únicos está no estudo do
momento em que as sociedades humanas começaram a se separar dos macacos.
Paleoantropólogos costumam afirmar que as sociedades de chimpanzés são
um substituto razoavelmente aceitável para a sociedade ancestral de
macacos, que deu origem às linhagens de humanos e chimpanzés.
A estrutura social das duas espécies não podia ser mais diferente. A
sociedade dos chimpanzés consiste de uma hierarquia de machos, dominada
pelo alfa e seus aliados, e uma hierarquia de fêmeas em seguida.
O macho alfa contabiliza a maioria das paternidades, compartilhando
outras com seus aliados. As fêmeas tentam se acasalar com todos os
machos disponíveis, então cada um deles pode achar que é o pai --e
poupar o filhote.
Como uma sociedade similar a essa poderia originar a estrutura
igualitária e basicamente monogâmica dos grupos humanos que se enquadram
como caçadores-coletores, há 15 mil anos atrás?
Uma nova e abrangente resposta foi desenvolvida por Bernard Chapais, da
Universidade de Montreal (Canadá), primatologista que passou 25 anos
analisando sociedades de macacos.
Recentemente, ele dedicou quatro anos à análise de literatura sobre
antropologia social, buscando definir a transição entre a sociedade
não-primata e os humanos --seu "Primeval Kinship" (Parentesco Primitivo,
em tradução livre) foi publicado em 2008.
NOVA ABORDAGEM
Chapais enxerga a transição como uma série de acidentes, cada um
permitindo que a seleção natural explorasse novas oportunidades.
Os primeiros humanos começaram a caminhar sobre duas pernas por parecer
mais eficiente do que se locomover sobre as juntas das mãos, como os
chimpanzés. Isso deixou as mãos livres para que pudessem gesticular ou
construir ferramentas.
Na opinião de Chapais, uma ferramenta em formato de arma que tornou possível a sociedade humana.
Entre os chimpanzés, os machos alfa são fisicamente dominantes e
conseguem derrotar qualquer rival, mas as armas ajudam a equalizar o
jogo: quando todos os machos se armaram, o custo para monopolizar uma
grande quantidade de fêmeas se torna muito mais alto.
Na sociedade hominídea incipiente, as fêmeas ficaram mais igualmente
distribuídas entre os machos e a poligamia se tornou a regra geral,
passando em seguida à monogamia.
Essa tendência levou ao surgimento de uma importante mudança no
comportamento sexual: a substituição da promiscuidade dos macacos pela
ligação em pares entre macho e fêmea.
Com apenas uma parceira, na maior parte das vezes, o macho tinha um
incentivo para protegê-la de outros machos e defender sua paternidade.
Esse elo entre casais foi o principal evento que abriu caminho para a
evolução hominídea, segundo Chapais.
No nível fisiológico, ter um casal de pais permitiu que os filhos fossem
dependentes por mais tempo, um requisito para o crescimento cerebral
contínuo após o nascimento. Com isso, a seleção natural foi capaz de
ampliar o volume do cérebro humano até ele ficar três vezes maior que o
do chimpanzé.
No plano social, a presença de ambos os pais revelou a estrutura
genealógica da família, que na sociedade dos chimpanzés fica pelo menos
parcialmente oculta.
Um chimpanzé sabe quem são sua mãe e seus irmãos, pois cresce com eles, mas não conhece seu pai ou os parentes de seu pai.
Dessa forma, os grupos vizinhos aos quais as fêmeas se dispersam na
puberdade, evitando o incesto, são vistos como conjuntos de machos
estranhos --e tratados com incessante hostilidade.
Na linhagem hominídea incipiente, os machos conseguem reconhecer suas irmãs e filhas nos grupos vizinhos.
Eles também descobrem se o companheiro da filha ou da irmã compartilha
algum interesse genético comum pelo bem-estar dos filhos da fêmea. Os
machos vizinhos deixam de ser inimigos e passam a ser parentes por
afinidade.
A presença dos parentes da fêmea em grupos vizinhos se tornou, pela
primeira vez, uma ponte entre eles --criando também uma estrutura social
nova e mais complexa.
Os grupos que trocavam fêmeas entre si aprenderam a cooperar, formando
um conjunto que protegia seu território contra outras tribos.
Mesmo tendo a cooperação como norma interna, as tribos travavam combates tão obstinadamente quanto os grupos de chimpanzés.
COOPERAÇÃO É A CHAVE DE TUDO
Para Chapais, a evolução humana é uma progressão sobre diversos
acidentes. "A capacidade de reconhecer o parentesco paterno não foi algo
selecionado, mas a partir do momento que eles tinham isso, foi possível
caminhar adiante e estabelecer relações pacíficas com outros grupos",
afirma ele.
"Pessoalmente, estou certo de que a cooperação é o que realmente
diferencia humanos de macacos", diz Michael Tomasello, psicólogo do
desenvolvimento do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária,
na Alemanha. Um sistema de grupos cooperativos "proporciona o tipo de
infraestrutura social que pode fazer as coisas funcionarem."
Numa série de experimentos comparando bebês humanos e filhotes de
chimpanzés, Tomasello mostrou que crianças muito jovens possuem uma
compulsão por ajudar os outros.
Uma dessas habilidades é o que ele chama de intencionalidade
compartilhada, a capacidade de formar um plano com terceiros para
atingir uma meta comum.
As crianças, mas não os chimpanzés, apontam objetos para transmitir
informações. Elas intuem as intenções dos outros pela direção de seu
olhar e os ajudam a alcançar um objetivo.
Os primeiros humanos, deixando o abrigo ancestral dos macacos, as
florestas, e se aventurando nas savanas, teriam enfrentado muitos
predadores e uma violenta competição por comida.
A cooperação pode ter sido imposta a eles como condição de existência.
"Os humanos foram inseridos sob algum tipo de pressão coletiva para
colaborar na busca por alimentos, tornando-se colaboradores por
necessidade, de uma forma que não ocorreu com seus parentes primatas
mais próximos", escreve Tomasello no livro "Why We Cooperate" (Por que
Cooperamos, em tradução livre).
FONTE: Folha.com/Ciência
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