A Natureza no Sertão Nordestino
Apresentação Caprichosa, a natureza exibe suas esculturas de pedra. Na foto, pedra do Capacete Foto: João Correia Filho O Lajedo do Pai Mateus, no estado da Paraíba, é um desses locais privilegiados pelo capricho da natureza. Ao longe, o que se vê
Apresentação
Caprichosa, a natureza exibe suas esculturas de pedra. Na foto, pedra do Capacete
Foto: João Correia Filho
Foto: João Correia Filho
O Lajedo do Pai Mateus, no estado da Paraíba, é um desses locais
privilegiados pelo capricho da natureza. Ao longe, o que se vê é uma
enorme base de granito onde grandes pedras redondas dão um aspecto
único, como se tivessem sido colocadas ali pela mão do homem. Ou melhor,
pela mão do homem e seus guindastes, pois, olhando de perto é que se
percebe que são enormes, chegando a pesar até 45 toneladas.
Vista geral do Lajedo do Pai Mateus
Foto: João Correia Filho
Foto: João Correia Filho
Localizado no município de Cabaceiras, o Lajedo do Pai Mateus faz
parte de uma região conhecida como Cariri Paraibano, ou Cariri Velho,
que durante muito tempo foi praticamente esquecida.
Turistas visitam a Pedra do Capacete
Foto: João Correia Filho
Foto: João Correia Filho
No entanto, já foi habitada há milhares de anos pelos índios cariris,
que emprestaram seu nome ao lugar e deixaram fortes marcas na cultura e
no jeito de ser do nordestino.
Formação
A dureza do sertão toma formas arrendondadas e dá um espetáculo
Foto: João Correia Filho
Foto: João Correia Filho
Na verdade, essa formação data de mais de 500 milhões de anos, no
período pré-cambriano, em um processo que ainda ocorre lentamente.
Eduardo Bagnoli, geólogo que há anos explora a região, explica que tudo
começa no centro da terra: as rochas que se formam a 70 quilômetros de
profundidade são empurradas para a superfície e começam a sofrer um
processo de desgaste.
Fissuras naturais e a constante mudança de temperatura que há na
região – pois os dias são muito quentes e as noite mais frias - dilata e
contrai a rocha abruptamente, e faz com que rachem. Inicialmente são
blocos retangulares ou quadrados que vão se desgastando num processo
chamado de esfoliação esferoidal, ou seja, vão tomando as formas
arredondadas que possuem hoje.
Saca de Lã
A estrutura incomum da Saca de Lã chama a atenção em meio ao sertão
Foto: João Correia Filho
Foto: João Correia Filho
Bem próximo dali, seguindo alguns poucos quilômetros por estradas de
terra, está outro monumento natural que lembra as grandes construções
erguidas pelo homem - talvez incas, maias...quem sabe egípcios.
A Saca de Lã recebe esse nome por lembrar sacos de algodão
empilhados, segundo o imaginário do lugar. São pedras gigantescas,
retangulares, que se encaixam perfeitamente e formam uma espécie de
pirâmide de mais de 40 metros de altura. É difícil entender como aquilo
se formou e como a natureza pôde ser tão audaciosa.
Caverna no sítio do Bravo, alguns quilômetros do Lajedo do Pai Mateus
Foto: João Correia Filho
Foto: João Correia Filho
Segundo estudiosos é o mesmo processo das pedras redondas dos outros
lajedos da região, como o do Pai Mateus e o do Bravo, mas aí o desgaste
ocorreu apenas de forma retangular, devido às fissuras exatas das
pedras. Seja qual for a explicação, o lugar impressiona.
Para quem visita a Saca de Lã, também faz parte da aventura a subida
até a última pedra, ironicamente redonda. Ribamar de Faria, nosso guia,
arrisca a subida e completa o monumento como se fora um grande totem.
Pinturas Rupestres
Vista de dentro da Gruta do Pai Mateus: resquício de nossos ancestrais
Foto: João Correia Filho
Foto: João Correia Filho
Eduardo Bagnoli conta que a primeira vez que esteve no Cariri
Paraibano ouviu falar de alguns `letreiros` espalhados por toda região.
Curioso, seguiu alguns moradores até as pedras mais próximas e
descobriu que os `letreiros` eram nada mais nada menos do que belas
pinturas rupestres. Começou a pesquisar, chamou amigos e estudiosos e
foi percebendo que estava diante de um grande acervo iconográfico da
humanidade.
A maioria dessas manifestações data de 10 a 12 mil anos e foram
deixadas pelos antigos habitantes dali, os índios cariris. No sítio do
Bravo e no Lajedo Manuel de Souza, município de Boa Vista, estão a
maioria delas, as mais belas e visíveis da região. Pássaros, figuras
humanas e desenhos geométricos são pintados geralmente nas grutas
formadas pelas grandes pedras que se formam sobre os lajedos.
Provavelmente locais onde permaneciam abrigados da chuva e, talvez, dos
inimigos. Há também a possibilidade de serem locais de rituais mais
complexos e essas grutas espécies de igrejas, mal comparando.
O método desenvolvido por Eduardo para encontrar `letreiros`, apesar
de ser quase uma brincadeira, acaba convencendo: `Basta você olhar para
um lugar bonito, ou que lembre uma moradia e procurar com cuidado.
Pode ter certeza que vai encontrar pinturas rupestres`. Apesar de
simplista, o método ilustra o volume de pinturas da região e quase
sempre dá certo.
Lagoas guardam grande número de fósseis
Foto: João Correia Filho
Foto: João Correia Filho
É também no Sítio do Bravo que se formaram pequenas lagoas,
extremamente ricas em restos ósseos de grandes mamíferos do período
pleistoceno, que começou a se formar a 1 milhão de anos. Em meio aos
grandes lajedos, os lagos certamente serviram para saciar a sede dos
grandes animais pré-históricos, como o tigre-dente-de-sabre e a preguiça
gigante.
Provavelmente o homem aproveitava-se da situação para caçá-los ali
mesmo, onde estavam vulneráveis e seus restos permaneciam no local.
Alguns objetos encontrados ali, como pedras quebradas em forma de faca,
são representativos para entendermos um pouco mais sobre os hábitos dos
nossos antepassados. Acredita-se que antes desses instrumentos o homem
era mais caçado do que caçador. Com esses objetos, começaram a caçar e a
ter reserva de carne, o que deu estabilidade e mais tempo a trabalhar
com o intelecto.
Cabaceiras
Flora: Coroa de Frade, um tipo de cactos muito comum na região
Foto: João Correia Filho
Foto: João Correia Filho
Cabaceiras é a cidade de menor índice pluviométrico do país, beirando
290 mm de chuva anuais. Ou, trocando em miúdos, pode se dizer que é a
cidade mais seca do país. No entanto, o que surpreende é que não se
encontra ali uma cidade quase fantasma, com o solo todo rachado e
pessoas beirando o desespero.
Cabaceiras tem casas muito antigas, coloridas e bem conservadas. Uma
pracinha arrumada e aspecto de cidade cenográfica. E é. Ali foi filmado
`O Auto da Compadecida`, uma adaptação para o cinema da obra de um
nordestino ilustre, Ariano Suassuna. Isso fez com que a cidade ganhasse
uma pequena reforma, mas mantivesse os aspectos da cultura nordestina
cariri.
Outro ilustre na cidade é Severino Gomes de Macedo, o Seu Nino. É
assim que é conhecido e assina a autoria dos melhores chapéus e celas
produzidos em de toda região, confeccionadas em legítimo couro de bode.
Começou aos 12 anos, quando, numa viagem com o pai, a cela e o arreio
quebraram. Ele resolveu desafiar os companheiros de que faria peças
iguais àqueles danificadas e assim começou: “o primeiro não ficou muito
bonito, mas durou bastante`, afirma seu Nino, hoje com 65 anos. Com
moldes de madeira, ele praticamente esculpe suas celas com minúsculos
detalhes e muito capricho. Mais tarde, ampliou seus trabalhos e começou
fazer chapéus, daqueles típicos usados por quase todo o nordeste. Já
mandou suas peças para países como a Bélgica e a Holanda, sem contar os
famosos como a atriz Denise Fraga e o ator Rogério Cardoso, que fizeram
questão de levar uma.
Conversando com pessoas como Seu Nino, percebemos que a cultura do
Cariri é repleta de antagonismos surpreendentes, expressos na beleza e
na força de suas peças. De uma fibra parecida com algodão que nasce no
xiquexique, um cacto típico do nordeste brasileiro, o beija-flor faz seu
delicado ninho entre espinhos. Com esse mesmo espinho e a mesma fibra o
sertanejo faz um “cotonete” para limpar o ouvido. Da árvore do juá se
extrai um excelente produto para os dentes.
Fauna e Flora
José Inácio de Faria, o Seu Zá, vive sozinho no Cariri, numa pequena casa de adobe
Foto: João Correia Filho
Foto: João Correia Filho
O Cariri é também o habitat de uma grande variedade de espécies
animais. A maior ave da América do Sul, a ema, que já fez parte da
alimentação do homem, quase desapareceu, mas hoje caminha mais tranqüila
pela região.
Quando o assunto é fome, descobrimos que praticamente todos os cactos
dão fruto e que esses frutos, quase sempre, são comestíveis. Além de
matar a sede. A palma, outro cacto típico da região, serve como alimento
para o gado e para as cabras. José Inácio de Faria, o Seu Zá, vive
sozinho numa pequena casa de adobe e mantém uma pequena plantação de
palmas para alimentar sua criação.
Plantação da região de cabaceiras: Sebastião da Silva Flor colhe palmas para as cabras
Foto: João Correia Filho
Foto: João Correia Filho
Sebastião da Silva Flor, outro morador da região, alimenta suas
cabras e bodes com esse cacto. Ele nos conta que nas épocas das piores
secas, quando havia se perdido tudo, a palma era comida também pelo
homem - `É frito, mas eu graças a Deus nunca precisei comer isso não!`,
orgulha-se de dizer Seu Sebastião.
Estrutura
A chegada ao Lajedo do Pai Mateus: surpresa
Foto: João Correia Filho
Foto: João Correia Filho
A Paraíba surpreende por suas boas estradas. Os trechos de terra são
próximos à região que exploramos, onde seria até uma contradição
estradas de asfalto. No entanto, em nenhum momento foi necessário um
veículo 4x4. Quem está em João Pessoa deve seguir pela BR230 por 200
quilômetros até a cidade de Campo Grande. De lá são mais 90 quilômetros
até Cabaceiras, de onde saem estradas para todos os principais pontos
para se conhecer – como o lajedo do Pai Mateus, a Saca de Lã e o Lajedo
Manuel de Souza.
Quando se chega à estrada de terra, as únicas placas existentes
indicam o Hotel Pai Mateus, de onde começa o passeio. De lá, é
obrigatório seguir com os guias. Um dos guias mais experientes é Ribamar
de Faria, de 20 anos, que há 5 dedica-se ao Cariri Paraibano. Ribamar,
uma das pessoas da região de quem o turismo mudou totalmente a vida,
fala inglês e se arrisca bem em outros idiomas. Além de ser uma grande
simpatia.
Quem vai ao Lajedo do Pai Mateus tem a opção de hospedar-se no meio
do região do Cariri. Entre cactos e bromélias, lagartos e emas, a
fazenda centenária vem recebendo turistas de várias partes do mundo a
fim de conhecer um pouco das paisagens exóticas e da cultura local.
Piscina com cascata e sauna a lenha parecem contrastar com o clima do
passeio, mas o ambiente simples e as pessoas do lugar torna o Hotel Pai
Mateus uma ótima opção. Comidas típicas, noites ao lado de fogueiras e
muita música (forró, principalmente) faz o visitante se sentir bem a
vontade.O lajedo do Pai Mateus e a Saca de Lã, por exemplo, ficam a
poucos quilômetros do hotel, o que inclui no passeio ótimas caminhadas a
pé.
Dica do autor
Quando se pensa em sertão nordestino, logo vem a mente uma região
abandonada, seca e desprovida de beleza. Engano. Além de sua gente
maravilhosa, de cultura extrema, ele esconde uma infinidade de flores,
animais, belas lagoas e, ao contrário do que se pensa, muito verde -
principalmente em determinadas épocas do ano.
O que surpreende é que a grande maioria de visitantes que vão para a
região do Cariri paraibano são estrangeiros. O que demonstra que ainda
precisamos olhar o que é nosso com mais atenção. Em poucos dias que
estive nessa região, aprendi muito de geologia, de antropologia e
aprendi a olhar a natureza mais de perto.
Quem leva
Apenas uma empresa trabalha especificamente com passeios pelo Cariri
Paraibano. A Manary Ecotours, que tem sua sede em Natal, Rio Grande do
Norte, possui veículos 4x4 e Vans que levam até os pontos mais
importantes do Cariri. Eduardo Bagnoli, geólogo e proprietário da
empresa, estuda a região há vários anos e é, sem dúvida, o melhor guia
para quem quer conhecer a região paraibana. Tem explicações científicas
comprovadas e teorias bastante interessante para explicar desde a
formação de rochas até aspectos humanistas.
Isso sem contar que é um apaixonado pelo região e gosta muito de
conversar. Quem segue com a Manary, geralmente parte de Natal, numa
viagem que leva 4 a 5 horas até a Pedra do Ingá, primeira parada. Seus
roteiros ainda incluem outras atrações, tanto no interior como no
litoral.
FONTE: Eco Viagem Turismo Fácil e Interativo
FOTOS: João Correia Filho
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