O que é macumba?
por Victor Bianchin; Marina Motomura
Macumba
é uma espécie de árvore africana e também um instrumento musical
utilizado em cerimônias de religiões afro-brasileiras, como o candomblé e
a umbanda. O termo, porém, acabou se tornando uma forma pejorativa de
se referir a essas religiões - e, sobretudo, aos despachos feitos por
alguns seguidores (veja boxe). Na árvore genealógica das religiões
africanas, macumba
é uma forma variante do candomblé que existe só no Rio de Janeiro. O
preconceito foi gerado porque, na primeira metade do século 20, igrejas
neopentecostais e alguns outros grupos cristãos consideravam profana a
prática dessas religiões. Com o tempo, quaisquer manifestações dessas
religiões passaram a ser tratadas como "macumba". Entenda nas próximas páginas as diferenças entre os cultos de origem africana.
Gira no Congá
Cerimônia da umbanda começa com defumação e termina com desincorporação dos médiuns
1. Para entrar no congá - onde rolam as
cerimônias da umbanda -, o público deve tirar os sapatos em respeito ao
solo, que é sagrado. A cerimônia, chamada de gira, começa à noite, por
volta das 20 h, e, quando os fiéis chegam, os médiuns já estão lá,
incluindo o sacerdote
2. A preparação do congá, local onde ocorrem as incorporações
das entidades, começa com a defumação: ervas como alecrim são queimadas
num braseiro. O ritual, que purifica e passa energia, é acompanhado de
ponto cantado - todas as cantigas são chamadas de pontos na umbanda
3.
Em seguida, o sacerdote ministra um tema de reflexão para o dia, como
faz o padre em uma missa católica. Também ocorrem a oração de abertura,
os pontos de abertura (que saúdam a umbanda), cânticos ao orixá regente
(cada orixá tem seu dia da semana) e a apresentação da linha de trabalho
do dia
4. O passo seguinte é a saudação aos
guardiões (Exu) e guardiãs (sua versão feminina). Nesse momento, todos
viram-se em direção à tronqueira, o "altar" de Exu, do lado de fora do
congá. Os fiéis saúdam, reverenciam e pedem proteção aos guardiões que
protegem o templo
5. Começa a batida dos
atabaques e são entoados os pontos de chamada, cânticos que invocam a
linha de trabalho do dia. O sacerdote é o primeiro a incorporar o orixá
e, depois que tiver recebido sua entidade, comandará os trabalhos,
conduzindo a incorporação dos médiuns
6. Cada
médium incorpora só uma entidade (entre orixás e humanos, como o Preto
Velho e o Caboclo), mas a mesma entidade pode se repetir - é possível
ter dezenas de Pretos Velhos num mesmo terreiro. Após todos
incorporarem, ocorre o atendimento ao público
7.
Ao final do atendimento, é entoado o ponto de subida, canto que embala a
desincorporação dos médiuns. Em seguida, é feita uma prece final de
encerramento, e a gira termina por aquela noite
Despacho na encruzilhada
Nem sempre oferenda é indício de magia negra
Os despachos nos cruzamentos ganharam fama de "macumba"
porque são uma das expressões mais visíveis dessas religiões fora dos
templos. Mas, na verdade, eles são oferendas para o orixá Exu,
geralmente pedindo proteção. São colocados em encruzilhadas porque esses
lugares representam a passagem entre dois mundos. Existem, sim,
despachos feitos para fazer mal aos outros (mais no candomblé, onde não
existe distinção entre o bem e o mal, diferentemente da umbanda), mas
nenhuma das religiões incentiva essa prática
Aprendiz de umbanda
Entenda como uma pessoa comum pode se tornar médium e incorporar entidades
1. Quem tem interesse em ser mais que um
observador da umbanda pode ir às giras e esperar que a entidade
incorporada o identifique. A entidade aponta a "vocação" da pessoa:
médium de incorporação, ogã (quem toca os instrumentos) ou um cambone
(auxiliares dos médiuns)
2. Os que serão médiuns frequentam as giras de desenvolvimento
mediúnico, sessões de iniciação fechadas ao público, nas quais os ogãs
entoam cânticos chamando a entidade espiritual. O iniciante medita sobre
as vibrações do dia e realiza banhos de ervas e oferendas para o orixá
3.
Quando o iniciante começa a incorporar, ele entra na "fase de firmeza",
em que, incorporado, risca símbolos no chão, acende velas e conversa
com o sacerdote sobre sua forma de trabalho
4.
Agora o iniciante já pode aplicar "passes energéticos" em roupas e
objetos e imantar água. Em seguida, ele passa a poder aplicar os passes
em crianças e, enfim, é inserido na linha de atendimento das giras
públicas. Em geral, a iniciação termina depois de alguns meses
Festa no Ilê
Cerimônia do candomblé tem sacrifício de animais, farofa e até cachaça
1. Os procedimentos começam à tarde, com o
despacho de Exu, fechado ao público. São sacrificados dois animais (uma
ave ou um animal de quatro patas, como bode, para Exu e outro para o
orixá homenageado do dia). O sangue dos bichos é derramado sobre o
assentamento (ou seja, o "altar") do orixá, em oferenda
2.
Os membros se reúnem em círculo no barracão, conhecido como ilê, onde
também há uma vasilha com farofa com dendê, feijão ou inhame e um copo
com água ou cachaça. São feitos cânticos e orações e um filho de santo
leva parte da comida para fora do barracão, em oferenda. A porta é
batizada com bebida, já que Exu é o deus dos cruzamentos
3.
No fim da tarde, começa o toque, a cerimônia pública. Ao som de
atabaques, são entoadas as cantigas de xirê, que homenageiam os orixás.
Os filhos de santo entram na roda, um a um, em ordem - o filho de Ogum é
sempre o primeiro. Começam as incorporações. Os filhos de santo
estremecem, sinal de que a entidade foi incorporada
4.
O primeiro a incorporar é sempre o orixá homenageado. O filho ou filha
que incorporou o orixá assume o comando da festa, dançando e curando
doentes. São auxiliados pelas equedes (ajudantes). Aos poucos, os outros
orixás incorporam também
5. A um sinal do
babalorixá (pai de santo), os filhos se retiram para uma sala onde se
vestem com os trajes dos respectivos orixás. Cada orixá tem uma roupa
que difere nas cores e nos acessórios, como a espada de Ogum. Quando
voltam, já como divindades, todos ficam em pé para recebê-los
6.
Os orixás também voltam em ordem, com exceção do homenageado da noite,
que entra primeiro. Quando todos já entraram, cada orixá incorporado
dança sozinho para uma música tocada só para ele, utilizando toda a área
do barracão. Um por vez, todos os orixás fazem sua dança
7.
Ao som dos instrumentos, o orixá senta e começa o atendimento,
abençoando e tocando os presentes, além de dar passes. Por volta da
meia-noite, os atabaques tocam as cantigas de Oxalá, encerrando a festa.
Feito isso, partes dos animais sacrificados são servidas em um jantar
feito no barracão
A grande família
Conheça os orixás mais cultuados nos terreiros
Oxalá
É o orixá da criação e "chefe" de todos os orixás no candomblé
Ogum
Orixá que manipula e forja metais para fazer suas armas
Obaluaiê
Associado à morte e à passagem para o plano espiritual
Oxumaré
É o orixá dos ciclos, dos movimentos e do arco-íris
Oxum
Orixá feminino, é a patrona das águas doces - rios, lagos e cachoeiras
Nanã
A mais velha dos orixás protege os pântanos e as chuvas
Exu
Protetor dos caminhos entre o mundo material e o espiritual
Oxóssi
Orixá da caça, da fartura e da riqueza, é o senhor da floresta
Oçaim
Orixá das folhas sagradas e das ervas medicinais
Xangô
Representa o fogo, o trovão e a justiça. Tem um aspecto viril
Iansã
Orixá dos ventos e das tempestades, é uma entidade passional
Iemanjá
A orixá dos mares e oceanos. É mãe de alguns orixás
Aprendiz de Candomblé
Entenda como uma pessoa comum pode se tornar filho de santo
1. Durante uma festa, a pessoa "bola no santo",
tendo tremores que indicam que deve ser iniciada no candomblé. O abiã
(iniciante) geralmente veste branco
2. O bori é a
cerimônia em que o iniciante faz oferendas para o orixá. Ele também
sacrifica aves, como pombos, e depois é marcado com o sangue dos animais
3.
Durante 21 dias, o iniciante se recolhe a um quarto chamado roncó. Lá,
ele aprende danças, orações, mitos e detalhes sobre seu orixá. Ele não
bebe álcool e não conversa
4. O recolhimento é encerrado com o sacrifício
de um animal quadrúpede. Ao final, ocorre uma festa chamada orô, em que
os abiãs saúdam os presentes, depois dançam e finalmente incorporam seu
orixá em público
A orquestra do Orixá
Divindades são chamadas com instrumentos de percussão
Os instrumentos tocados pelos ogãs são, principalmente, atabaques,
espécies de tambores que ditam o ritmo da dança. Outros instrumentos
bastante usados são o agogô, que traz dois funis metálicos, tocados com
uma vareta de ferro, e o xequerê, que é uma semente de cabaça cercada
por uma rede de malha com contas, tocada como se fosse um chocalho. O
instrumento macumba, que deu nome ao culto, hoje pouco utilizado, é parecido com um reco-reco
Consultoria - Babalorixá Antonio Carlos Jagun, autor do livro
Beabá dos Orixás; Rodrigo Queiroz, sacerdote do Templo Escola Umbanda
Sagrada, e Marina de Mello e Souza, professora de História da África da
USP
FONTE: Revista Mundo Estranho
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